São Paulo, segunda-feira, 7 de fevereiro de 1994
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O que o modelo americano pode ensinar

PAUL SAMUELSON

Os Estados Unidos estão surpreendendo a si próprios e ao mundo com seu crescimento econômico, atualmente maior do que todas as outras principais nações do mundo. Agora os EUA estão superando a Europa e o Japão. Nossa força está injetando um estímulo muito necessário na estagnada economia mundial.
No último trimestre de 1993 o PNB dos Estados Unidos cresceu a um ritmo anual de virtualmente 6%. Isto poderia ter sido até demais, se não fosse pela situação favorável de nosso desempenho inflacionário.
Os especialistas prevêem a ocorrência de alguma desaceleração durante o primeiro semestre de 1994, levando a um ritmo comercial mais fácil de manter. Um índice de crescimento real de 3% a 4% seria minha cifra preferida. Ainda estaríamos reduzindo nosso índice de desemprego –reduzindo-o em direção ao nível de 6%, que é mais ou menos a metade do nível prevalecente na Europa.
O frio acentuado de janeiro terá subtraído algo de nossa exuberante recuperação. O grave terremoto em Los Angeles, Califórnia, terá o mesmo efeito moderador durante o primeiro trimestre de 1994. Mas depois, no segundo trimestre, os gastos com a reconstrução deverão estimular a economia da Califórnia, tão duramente atingida pelos cortes nos gastos com a defesa.
Numa entrevista transmitida pela televisão nacional, me pediram para atribuir "notas" ao desempenho econômico do presidente Clinton no primeiro ano de seu mandato. Eu disse: "A- por sua política econômica. Mas A+ por sua sorte".
A sorte de um dirigente é importante para uma nação. Franklin Roosevelt tinha políticas necessárias, que deram bons resultados. Mas sua sorte o tornou ainda mais importante e popular. Já Herbert Hoover era bem-intencionado, mas seu desempenho e sua sorte foram terríveis.
John Kennedy foi outro caso em que as boas políticas foram amplificadas pela boa sorte. Ronald Reagan, a meu entender, iniciou políticas que estavam longe de serem as melhores possíveis. Mas seu charme teatral, por pura sorte, possibilitou a manutenção de sua popularidade –imerecida– junto ao eleitorado norte-americano.
Um economista que escreve para leitores espanhóis, italianos, mexicanos, japoneses e coreanos não pode ter a ingenuidade de lhes dizer: "Sejam sortudos. Elejam líderes que tenham boa sorte. Sejam sortudos como os Estados Unidos no período de 1993 a 1995".
Isso seria tolice. Felizmente, a análise econômica me dá bases justificáveis para dizer, neste momento:
Sigam os tipos de programas de expansão que nós nos EUA estamos seguindo. Facilitem o crédito, ativamente mas com prudência, para estimular a necessária recuperação real, reduzindo as taxas de juros. Desse modo, os bancos poderão voltar a ter liquidez, depois da crise dos empréstimos ao setor imobiliário. Desse modo, as indústrias da construção civil e automobilística podem ser incentivadas.
Fujam do macroinativismo insensato da França, da Bélgica e do Japão. Parem de adorar os falsos ídolos das taxas de câmbio atreladas e da política de austeridade fiscal. A austeridade não é aconselhável enquanto persiste uma recessão estagnante.
Os conselhos dados ultimamente por economistas norte-americanos -de universidades, bancos, empresas e grupos de assessoria- me têm levado a sentir orgulho de minha profissão. A maioria deles tem recomendado um ativismo por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), mas geralmente com moderação e levando devidamente em conta as perspectivas da inflação.
Onde estão os especialistas econômicos do Japão? Na época da 1ª Guerra Mundial o premiê Clemenceau disse: "A guerra é um assunto sério demais para ser deixado nas mãos dos generais". Concordo com ele. A economia é um assunto sério demais para ser deixado nas mãos de advogados do banco central do Japão e do Ministério das Finanças. Onde estão os economistas belgas, franceses e dinamarqueses, agora que seus países precisam deles? Será que não há vozes portadoras da razão que se oponham aos fetiches tecidos em torno das taxas de câmbio?
As mudanças são universais na economia. Desconfio que dentro em breve nosso Federal Reserve irá elevar as taxas de juros norte-americanas (o Fed anunciou a elevação na sexta-feira). Isso não precisa necessariamente ser fatal. Uma recuperação forte pode persistir com algum aperto do crédito. Especialmente se o presidente do Fed, Alan Greenspan, e seus colegas diretores estiverem dispostos a reverter rapidamente a situação se suas medidas levarem a qualquer aperto excessivo.
Um programa macroeconômico "ótimo" não é aquele que opera sem transformações. Ajustes muito precisos não são viáveis numa ciência inexata como a economia. Eles tampouco são necessários. Em lugar disso, uma política bem-pensada de combater o superaquecimento e o enfraquecimento da demanda pode ser útil a uma nação moderna. Se você exagerou num sentido, altere o rumo de sua investida, em sentido contrário.
O Bundesbank, banco central da Alemanha, e o banco central do Canadá podem aprender muita coisa que lhes será útil com a prática recente dos Estados Unidos. O mesmo vale para os bancos centrais da Itália, da Espanha e do Japão.
Este poderá ser um ano de saudável recuperação mundial. Mas isso não acontecerá por si só. A boa sorte não substitui uma política prudente. E medidas bem-pensadas podem contrabalançar o azar que recentemente se abateu sobre a Europa e o Japão.

Tradução de Clara Allain.

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