São Paulo, quarta-feira, 9 de fevereiro de 1994
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Espertos e trouxas

LUÍS NASSIF

Conquistada a aprovação do (FSE) Fundo Social de Emergência, o que o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, tem a oferecer ao país é muito pouco.
Dois anos de concordata, sem nenhuma proposta de reestruturação estrutural, a implantação de uma nova moeda, que não será a definitiva e, eventualmente, sua candidatura a Presidência da República.
Tem-se o alívio de equacionar as contas do primeiro ano do próximo presidente. Mas é escandalosamente pouco para permitir ao ministro brandir o discurso da salvação nacional, como vem fazendo.
Um dos vícios da acomodação que acometeu macroeconomistas, nos anos 80, foi terem passado a ver o mundo a partir de Brasília –que cria despesas– quando tinham que vê-lo a partir da linha de montagem das empresas –que gera riquezas e emprego. O raciocínio econômico passou a se subordinar às conveniências políticas, deixando-se de lado o rigor científico pela ótica da acomodação.
Primeiro, minimizaram por completo a questão dos déficits públicos. Se a Itália tem déficit público e cresce, porque não pode ocorrer o mesmo aqui? Não se via diferenças significativas no fato do déficit italiano não pressionar a taxa de juros e o déficit brasileiro, sim, a ponto de inibir toda a atividade econômica. Passou no teste da estatística?, a realidade que exploda.
Depois, a custo se avançou na avaliação do déficit e se chegou ao ponto atual –de que basta o equilíbrio orçamentário para devolver a confiança aos agentes econômicos. Pouco importa se, para obter o tal equilíbrio, no fim da linha se tivessem juros mais altos, impostos mais pesados e uma economia menos competitiva. Equilibrou? Os empresários vão adorar trabalhar em uma economia menos competitiva.
Câmaras setoriais
Um plano que contemplasse efetivamente a volta do crescimento e a busca de soluções reais para a economia teria que buscar o avesso dessa lógica.
Ponto 1: O crescimento da economia depende dos investimentos e do crescimento de vendas das empresas.
Ponto 2: O que impede essas condições são, de um lado, taxas de juros excessivas, de outro, tributação elevada.
Ponto 3: Portanto, os objetivos finais da política econômica deveriam ser perseguir a redução dos tributos e dos juros.
Do lado da tributação haveria duas linhas de ação. Uma, a redução de tributos com o objetivo de estimular as vendas. Até a câmara setorial da indústria automobilística havia dúvidas se, na conta final, o aumento de arrecadação, proveniente do crescimento das vendas, compensaria a redução nominal dos tributos. Depois dos resultados alcançados, com 11% de crescimento do PIB industrial, não há muito mais que discutir.
Esta linha passaria pelo revigoramento das câmaras setoriais e sua coordenação diretamente pelo Ministério da Fazenda –conduzindo acordos que significassem a desoneração tributária, em troca de compromissos de produtividade e de venda. Mas o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, evita esta batalha porque é área do Ministério da Indústria e do Comércio.
Equilíbrio orçamentário
A segunda linha de ação implicaria em uma profunda batalha para reorganizar e disciplinar o setor público. Câmara setorial com Estados e municípios para transferência de atribuições, reorganização e disciplinamento da política de pessoal do setor público, controle das estatais, equacionamento dos grandes passivos públicos, reforma da previdência, de maneira a gerar uma máquina pública que fosse financiada por menos impostos.
Caberia ao ministro Fernando Henrique Cardoso coordenar essas ações. Mas não é problema dele. Ele não passa de um pobre primeiro-ministro de fato e de direito.
Para reduzir os juros haveria a necessidade de reduzir a dívida interna. Para reduzir a dívida interna, ou se obtém excesso de arrecadação de impostos, ou vendem-se ativos públicos. Mas o objetivo máximo da equipe é obter equilíbrio orçamentário. E quitar os grandes passivos públicos com privatização não é prioridade –além de obrigar o ministro a mexer em temas polêmicos, que podem lhe custar votos ou alianças nas eleições presidenciais.
Fica-se, então, com a URV, porque só existem espertos onde há abundancia de trouxas.

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