São Paulo, quarta-feira, 9 de fevereiro de 1994
Próximo Texto | Índice

O julgamento dos políticos

IRIS REZENDE

A história recente deste país revela como o povo brasileiro redescobriu-se nos últimos anos, a partir das pressões de rua pela redemocratização, e passou a determinar o processo histórico, tornando-se um sujeito ativo em sua operação, abandonando aquela condição de massa passiva que há pouco mais de um século assistiu bestializada, como se registrou na época, a proclamação da República por uma parte das elites.
As elites estão, agora, sendo questionadas pela massa, e um novo reflexo dessa posição emergirá nos resultados das urnas que escolherão os novos governantes no final deste 1994. É certo que o questionamento será rigoroso com o comportamento ético dos políticos e nele restarão incólumes ou fortalecidos apenas aqueles que tenham um padrão de comportamento público irretocável.
Aliás, as primeiras pesquisas a respeito do perfil das exigências dos eleitores na escolha do próximo presidente da República indicam que se exigirá honestidade e autoridade dos candidatos, o que vale dizer que a experiência administrativa dos presidenciáveis estará em causa –pois a honestidade e a autoridade será avaliada a partir de uma experiência pública anterior.
As primeiras tendências indicam que o preferido das massas será o candidato já suficientemente testado na vida pública, respaldado por um partido organizado nacionalmente e que também tenha ficha limpa perante a sociedade, embora pese muito o componente de esperança que o presidenciável seja capaz de transmitir à massa junto com uma folha de serviço exemplar.
A mensagem de esperança deverá ser a aureóla dessa folha de serviço, coroando o candidato. Mas não bastará que o candidato tenha apenas esperança a transmitir aos eleitores, como aconteceu na última eleição presidencial, quando a nação, desiludida com os velhos políticos, preferiu apostar no novo. A lição valeu e o povo pelo que se tem observado, não deseja mais arriscar.
E é bom que isso aconteça, pois basta de impunidades, de mistificações, de pouco-caso com a coisa pública. E quem são os eleitores desse novo presidente da República? Creio que será o mesmo povo que há dez anos passou a exigir os seus direitos, a impor sua voz nas decisões em todos os níveis de governo, cavando a sepultura daquele Brasil pacato e submisso que chegara a tornar-se legendário.
Será o mesmo povo remoçado em novas campanhas de rua pela face dos nossos adolescentes, pintadas orgulhosamente de verde-e-amarelo num momento de rara inspiração de quem passou a fazer história, no movimento pela destituição legal de quem o iludiu nas urnas presidenciais. O mesmo povo remoçado, mas também mais amadurecido, indignado com as falcatruas orçamentárias.
O povo aprendeu, mas sempre fica uma dúvida: e os políticos? Eles também terão aprendido a lição? A catarse que todos nós atravessamos será mais consequente se os políticos e os partidos, numa severa autocrítica, souberem excluir previamente do processo eleitoral aqueles que forem incapazes de contribuir positivamente para a operação de saneamento da vida pública que está em curso.
Se os políticos e os partidos não o fizerem, o povo o fará. Seria bom que o fizéssemos antes, não apenas por uma questão de sobrevivência política, mas sobretudo para nos encontrarmos com a alma popular, sofrida, humilhada e agora indignada. Por que iremos desafiar os sentimentos populares? Quem tiver juízo, não o fará. Não irá colocar o dedo na tomada porque certamente levará um choque mortal.
Também amadurecidos nestes anos recentes, os políticos não podem contrariar a onda de indignação. Se o fizerem mais uma vez estarão colocando em risco a ordem democrática, pois nunca faltam nesses momentos as aves de mau agouro que, a pretexto de avançar na moralização nacional, desejam na verdade o retrocesso. Afinal, os desmandos que aí estão decorrem de uma intervenção anterior, contrária à evolução democrática.
Mas fiquemos nós também, os políticos, com o sonho do povo. A seriedade com que uma parcela importante de homens públicos aplica-se na correção dos desvios morais que grassam à nossa volta permite-nos afirmar que a maioria não está contaminada pelo mal, acredita firmemente na construção de um Estado mais saudável e ajustado aos sonhos de uma sociedade que deseja uma nova pátria para as gerações que estão chegando à procura de um futuro melhor que o presente e o passado.

Próximo Texto: As salvaguardas nucleares
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.