São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 1994
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Famílias dominam as escolas de samba

LUIZ CARLOS DUARTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em busca de uma identidade própria, que lhes tire o peso de sepultura ou simulacro de Carnaval, as escolas de samba paulistanas desfilam hoje no Sambódromo mais uma bateria de contradições. "É o Carnaval que mais se redefine no país", proclama José Carlos Sebe Bom Meihy, 50, professor titular de história da USP e autor do livro "Carnaval, Carnavais".
Fiéis a algumas características originais e sensíveis às influências externas, as escolas paulistanas preparam-se para produzir um desfile onde não faltam Sambódromo, torcida de futebol, agremiações dirigidas por "dinastias carnavalescas", empresários abnegados e até bicheiro (veja textos abaixo).
As novidades começam pelo cenário, uma "reprodução" do espaço carioca. O Sambódromo no Anhembi (zona norte) foi ampliado de acordo com o projeto original e a monumentalidade dos traços de Oscar Niemeyer já é bem mais visível. A capacidade de público saltou de 15 mil para 25 mil.
Já os enredos revelam uma faceta paulistana. "O Carnaval de São Paulo é muito rico em sugestões temáticas, na valorização de assuntos locais e históricos, como a figura dos bandeirantes ou na saudação ao trabalho", diz Bom Meihy. O maior exemplo neste ano, afirma, é o enredo da Leandro de Itaquera, que trata da despoluição do rio Tietê.
Outro aspecto destacado por ele é a proximidade do Carnaval paulistano com o futebol. Além da divisão das grandes torcidas de futebol pela preferência das duas mais tradicionais escolas -em geral, os corintianos torcem pela alvinegra Vai-Vai e os palmeirenses optam pela Camisa Verde e Branco-, surge agora a força da Gaviões da Fiel, a primeira torcida organizada de futebol do Estado.
O grupo corintiano começou como bloco carnavalesco em 1975, transformou-se em escola nos anos 80 e agora surge como uma agremiação respeitável, que no ano passado conquistou o quinto lugar e que pode ascender ainda mais nos próximos anos.
O Carnaval paulistano também se diferencia pelas escolas de samba dirigidas por famílias, que fundaram e dirigem a escola praticamente em caráter vitalício, como por exemplo a Camisa Verde e Branco, a Nenê de Vila Matilde e a Leandro de Itaquera. Esse tipo de organização praticamente inexiste nas escolas do Rio. Segundo Bom Meihy, trata-se de uma estrutura herdada dos Carnavais de família, produzidos pelos morros cariocas nas décadas de 10 e 20, antes da institucionalização das escolas de samba, a partir dos anos 30.
Para Bom Meihy, a cidadania paulistana vai se ligar cada vez mais ao cotidiano das escolas de samba. "Não temos praia e grandes parques. Para atuar na sociedade, o cidadão se filia a irmandades religiosas, escolas de samba ou torcidas de futebol"
, diz.
Para ele, o Carnaval de São Paulo começa a ganhar mais prestígio a partir da abertura democrática, quando cai por terra a pretensão oficial de produzir o Carnaval carioca como "expressão nacional".

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