São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 1994
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"UnGlauber" busca muito e acha pouco

Nova peça de Thomas tenta empatia com público

MARIO VITOR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A estréia da peça "UnGlauber", de Gerald Thomas, expõe mais um episódio das transformações que o autor e diretor anuncia em seu trabalho recente. De pronto, é perceptível o esforço de estabelecer algum nível de empatia com a platéia, já manifestado em "O Império das Meias Verdades", segunda peça do que Thomas define como a trilogia da "B.E.S.T.A (Beatificação da Estética Sem Tanta Agonia)".
Nesta fase, ao contrário de peças anteriores, o palco não está mais separado da platéia por uma rede protetora. O humor aparece para lançar pontes de contato com o público, que assume relevância.
A história se passa numa espécie de cozinha de restaurante. Ali, um cozinheiro (Luiz Damasceno, em atuação divertida), sua mulher (Vera Zimmermann, idem) e uns amantes procedem e submetem-se a mutilações individuais e coletivas, embaladas por reflexões a respeito da farsa intrínseca à representação teatral, da inapelável mediocridade dos atores, da leviandade do jogo dramático.
Um "ator" (Edilson Botelho), supostamente morto, jaz nu sobre uma asa de avião erguida ao fundo. A certa altura, ele se levanta, desce ao palco, veste uma casaca de "Pequeno Príncipe" e corta uma cebola junto aos olhos para chorar.
Em tom de descoberta, o texto procura denunciar um teatro em que todos –autor, diretor, e atores– estão dispostos a tudo para obter qualquer efeito, em que qualquer recurso dramático não passa de engodo para iludir. A tal impasse, não se apresenta alternativa. Todos os caminhos levam ao mesmo ponto do deserto. "Unglauber", palavra inexistente no vernáculo alemão, aliás, evoca a idéia de alguém repetitivamente "descrente".
Na peça, as referências que se fazem à arte produzida no Brasil anteriormente, de que Glauber é representante dos mais conhecidos, acabam reduzindo suas dimensões ao plano político, ao plano da "mensagem". Ora, será que o trabalho feito antes pode ser rebaixado a tais proporções com tanta facilidade?
Não seria o mesmo que considerar que o sucesso de um diretor como Eisenstein, por exemplo, se devesse mais a seu cunho anticapitalista do que ao modo específico pelo qual ele engendrava suas descobertas artísticas? Num determinado momento, o "ator" desabafa: "Como era fácil ter o que dizer... era só fazer acusações ao imperialismo".
"UnGlauber" expressa o empenho de um realizador para escapar ao impasse a que chegou seu trabalho. Mas, mesmo que se desconsidere a impressão deixada pela sucessão de curra, masturbações, mutilações e canibalismo (na cena em que o militar "come" pedaços de uma mulher morta e temperada com sal e pimenta), sobrevive a sensação de que a peça brinda o público com muitas buscas e nem tantos achados, ainda que estes fossem pequenos, precários e imperfeitos, como frequentemente acontece com as obras de arte. Em lugar destes, o que sai da cozinha de "UnGlauber" lembra uma estranha salada de Peter Greenaway com Zé do Caixão.

Espetáculo: UnGlauber
Direção: Gerald Thomas
Elenco: Luiz Damasceno, Ludoval Campos, Edilson Botelho, Cacá Ribeiro, Milena Milena, Nora Prado, Domingos Varela e Vera Zimmermann
Onde: Teatro do Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Pompéia, tel. 011/864-8544 (ramais 111 e 135)
Quando: de qua. a sab., às 21h e domingos, às 20h (exceto dias 13, 14, 15 e 16); até 27 de fevereiro
Quanto: CR$ 2.400 (visitantes) e CR$ 1.200 (comerciários)
Onde: em frente ao Museu da Cidade (esquina da r. Floriano Peixoto com r. Roberto Simonsen, no centro histórico de São Paulo)
Quando: segunda, às 20h
Quanto: grátis

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