São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 1994
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Casuísmo

Articula-se sorrateiramente, no Congresso revisor, uma manobra para alterar o prazo de desincompatibilização para algumas autoridades que ocupam cargos no Executivo e pretendem candidatar-se a algum posto. Atualmente, esse prazo vence em abril. Querem prorrogá-lo até julho. A proposta é uma sucessão de equívocos animada pelo mais puro casuísmo.
Pode-se, é claro, discutir e eventualmente até alterar as regras de desincompatibilização. De fato, encontram-se bons argumentos tanto em favor como contra a existência desse instrumento que visa a impedir que políticos usem a máquina administrativa pública em suas campanhas particulares. Mas é óbvio que qualquer alteração só poderá valer para as eleições de 1998.
Entretanto, os patrocinadores da manobra pretendem que as novas regras vigorem já a partir desta eleição. É mais ou menos como mudar o regulamento de um jogo pouco depois de o mesmo ter começado e em benefício de apenas alguns dos jogadores. Afinal, identificam-se facilmente os poucos beneficiários da eventual mudança.
Aliás a desfaçatez com que se propõem certos casuísmos não encontra barreiras nem mesmo no necessário apego a princípios. Parece razoável supor que, se se pretende seriamente alterar alguma coisa na esfera do Executivo, essa alteração valha para todas as esferas desse Poder. Entretanto, o espírito astucioso daqueles que estão tentando alterar a Carta preferiu excluir os prefeitos da redução de prazo de desincompatibilização calculando que, assim, seria mais fácil aprovar a manobra no Congresso. É que prefeitos são candidatos naturais a uma vaga na Câmara. Os atuais congressistas –outra categoria de candidatos naturais– dificilmente aprovariam uma medida que beneficiasse rivais potenciais.
E assim, de casuísmo em casuísmo, o país vai passando ao largo da desejável e necessária estabilidade jurídica. Já passa da hora de o Brasil definir suas regras de acordo com princípios e não com os interesses dos poderosos do momento.

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