São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 1994
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As baixas da revolução

MARIO DA COSTA CARDOSO FILHO

Quando a resolução 1.401 foi editada, a sensação predominante entre entidades médicas e usuários do sistema supletivo de saúde foi de que se estava iniciando uma revolução. Ao entrar em vigor, descobriu-se que será uma campanha longa, desgastante e sujeita a muitas baixas.
Sob o ponto de vista moral, é indiscutível que o CFM está coberto de razão. Há muito tempo o sistema supletivo –exceção feita às cooperativas e serviços próprios de saúde– vem se locupletando da falência pública na saúde. É um altíssimo negócio concorrer com o sistema oficial, mesmo porque qualquer coisa é melhor do que coisa nenhuma. O governo, incapaz de gerir o setor público com alguma competência, fez vista grossa aos planos privados, que vêm se aproveitando disso em benefício próprio há anos.
Surge então a polêmica resolução e sua enorme repercussão. Mas, passada a paixão, é imperioso que se considere que a resolução precisa ser aperfeiçoada, o que dá às empresas alguma razão ao contestá-la. Ela traz normas indiscutíveis, como a universalidade das coberturas das enfermidades catalogadas pela OMS. Vida tem de ser tratada com absoluto respeito e de forma integrais. Nada que a ameace pode ficar de fora de um contrato justo de assistência.
Outras normas são de aplicação difícil, mas igualmente justas. O livre acesso do paciente ao médico de sua confiança ou aos meios diagnósticos mais modernos, ou ainda o direito de receber tratamento num centro hospitalar de qualidade são exemplos disso. É evidente que essas são situações ideais que devem ser estabelecidas como meta por qualquer plano que pretenda-se eficiente, mas não é lógico admitir que se possa atingi-las instanteamente.
Há aspectos na resolução, entretanto, deformados na origem. Descontando-se o mérito global do documento, a questão das carências é uma das que exige revisão. De acordo com a resolução 1.401, basta o usuário assinar seu contrato com um plano ou seguro-saúde para, imediatamente, adquirir o direito à assistência plena. As carências precisam ser revistas, mas considerando o texto em sua forma exata, uma senhora grávida poderia adquirir um plano hoje e ter seu bebê amanhã, com todas as despesas devidamente cobertas.
Óbvio que não há lógica em casos como esse. Se é verdade que os convênios estão entre os negócios mais rentáveis do país, não é menos verdadeiro que a adoção de uma norma como aquela os quebraria em curtíssimo prazo de tempo. Certamente não é essa a intenção do Conselho ou das entidades médicas que o têm apoiado, mesmo porque todos admitem que, ao assistir mais de 32 milhões de usuários, o sistema supletivo têm importância fundamental para a estrutura de saúde.
O que era preciso –e talvez aí resida um dos principais méritos do CFM– se conseguiu, ou seja, colocou-se a antes imune indústria da saúde privada sob o crivo da sociedade e sob os atentos olhos do usuário. O Poder Legislativo também toma suas providências. Busca transformar em lei o que o conselho tornou resolução. Quem sabe com a interferência oficial a revolução se complete e a dignidade no setor se estabeleça em caráter definitivo.

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