São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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O FSE está fora de lugar

CELSO BASTOS

A aprovação, em primeiro escrutínio, de emenda à Constituição visando fundamentalmente a implantação de um Fundo Social de Emergência coloca sérias questões quanto à constitucionalidade, quer do ângulo procedimental, quer do material ou de fundo.
Processualmente, o projeto de emenda vem inserido na sistemática traçada para a elaboração da revisão constitucional. Assim sendo, beneficiou-se de "quorum" especial (maioria absoluta) e de votação unicameral. Nada obstante isso, pretende ver-se promulgado logo após a sua segunda votação, sem embargo da continuidade dos trabalhos revisionais. Tal expediente é absolutamente contraditório com a índole da revisão que ora se leva a cabo, assim como com os precedentes de outros países.
A revisão é una, inteiriça e indivisível. Sua colocação em vigor por partes é tão destituída de sentido quanto a hipótese do vigor parcial da Constituição, ou seja, ser atribuída vigência aos artigos na medida em que fossem sendo aprovados pela Assembléia Constituinte. O poder constituinte (e o revisional participa neste particular de sua natureza) só é exercitável em um único impulso, eis que consubstancia uma vontade que só tem sentido na sua definitiva sistematicidade.
A Constituição é, sem dúvida, um sistema de normas, assim como o é a sua revisão. Em consequência, tem de receber uma votação final de conjunto, assim como uma única promulgação. O fato de o regimento interno do Congresso dispor de forma diversa é irrelevante, eis que a matéria é de índole constitucional, razão pela qual não pode ser subvertida por atos jurídicos inferiores sem que esses estejam expostos ao conhecimento e julgamento do Supremo Tribunal Federal.
Portugal já procedeu a duas revisões da sua Constituição de 1976 (a de 1982 e a de 1989), agindo sempre com integral respeito a esta preceituação. Dos trabalhos da Assembléia Revisional Portuguesa resultou uma única, em cada caso, Lei constitucional, cuja função consistiu em introduzir as alterações aprovadas naquelas ocasiões.
Há um outro óbice, todavia, a impedir que a matéria tratada no FSE se beneficie do rito da revisão. É que ela, na verdade, pretende tão-somente introduzir medidas de natureza precária que supostamente resolveriam problemas momentâneos de caixa do Tesouro Nacional. Ora, é bem de ver que isto diz respeito ao conjuntural, ao transitório, ao passageiro, e não à alteração da Constituição por força da reavaliação dos seus efeitos nestes seus últimos cinco anos, único juízo possível de ser proferido para valer em caráter permanente.
Tanto, pois, em razão da urgência com que quer se ver aprovado, que está em descompasso com a promulgação da própria revisão constitucional e da matéria que versa, o destino normal desse Fundo é o de ser submetido ao rito das emendas constitucionais ordinárias, é dizer, não integrantes do processo de revisão constitucional. Da forma como ele vem sendo tramitado, muito certamente virá a ser fulminado por inconstitucionalidade pela mais alta corte judicial do país.

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