São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Cientistas querem tombamento de supercratera

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A legislação de proteção aos mananciais não foi suficiente, por isso técnicos do Departamento do Patrimônio Histórico da prefeitura paulistana estão estudando uma opção inédita para preservar um patrimônio científico: tombar uma cratera feita por um meteoro na zona sul da cidade.
A cratera de Colônia tem 3,64 km de diâmetro e profundidade de cerca de 450 metros. Cientistas da USP acham que ela foi formada entre 25 milhões a 30 mil anos atrás. Seu valor à ciência vem de ela ter sido preenchida pouco a pouco por sedimentos desde então. Hoje ela está sendo preenchida por loteamentos clandestinos.
"O processo já está quase pronto", diz o sociólogo Claudio Fernando Fagundes Cassas, que estuda o impacto ambiental da invasão para a Secretaria Municipal de Cultura, como parte dos estudos para o tombamento. Quem eventualmente decidirá o caso é o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico da Cidade).
"O tombamento seria um reforço, pois a cratera já está em área de proteção a mananciais", diz o geólogo Astolfo Araujo, que também estuda o tombamento.
Nessa área próxima às represas da zona sul a lei permite a ocupação por lotes de 20 mil metros quadrados. O loteamento está sendo feito com lotes de 250 metros quadrados em média. A invasão começou em 1989. Há três anos, fiscais da prefeitura estimavam que já havia cerca de 500 moradores. Hoje são cerca de 5.000.
A invasão teve ajuda indireta do governo estadual, que construiu na cratera a Casa de Detenção de Parelheiros e planeja colocar mais presídios no local. A abertura da estrada para a cadeia, que agora está sendo asfaltada, serviu de magneto para os sem-casa.
"O loteamento é totalmente irregular. Foi uma venda criminosa, que pegou gente pobre, despreparada, e socou lá", diz o vereador Adriano Diogo (PT), que propôs o tombamento. "A irresponsabilidade começou com o governo do Estado, que construiu o presídio e a estrada", diz Diogo.
O secretário estadual de Administração Penitenciária, José de Mello Junqueira, diz que a decisão de instalar a cadeia na região foi de um governo anterior, mas que há possibilidade de se construir "mais um ou dois" presídios ali.
O secretário municipal de Cultura, Rodolfo Konder, tem dúvidas sobre a conveniência do tombamento. "Será que o tombamento resolve? Qual o poder da fiscalização? É nenhum", diz. Konder afirma que "no ocaso" da gestão petista o Conpresp iniciou "dezenas e dezenas" de processos de tombamento, prejudicando proprietários e criando "manchas de entropia" na cidade, locais cujo desenvolvimento ficou "engessado".
Marcos Faerman, diretor do Departamento do Patrimônio Histórico e presidente do Conpresp, diz que a discussão no conselho deverá ser feita já no primeiro semestre de 94.
"Lata de lixo"
A cratera interessa à ciência pois é uma espécie de "lata de lixo", segundo Claudio Riccomini, do Instituto de Geociências da USP. "É das poucas do hemisfério sul preenchidas", diz. Deve ter sido formada por um meteoro. Os cientistas ainda não têm prova concreta do crime, mas a hipótese é a mais plausível dada a forma da cratera.
Os sedimentos que recobriram a cratera ao longo do tempo preservaram registros da vida antiga no que viria a ser São Paulo. Essa sedimentação é uma valiosa referência aos geólogos. Quanto mais se cava, mais se volta no tempo. O pólen e os tipos de sedimentos indicam como eram clima e vegetação antigos: terreno argiloso indica época mais úmida; "fatia" arenosa mostra época de clima mais seco, com vegetação mais rala.
Estudo feito por Maria Lorscheitter, da UFRS, em uma profundidade de 7,5 a 6 metros, mostra a existência de vegetação de floresta típica de clima ameno. Posteriormente a temperatura foi esfriando. A partir de 28.000 anos atrás, a vegetação campestre foi substituindo a floresta.
Os registros ajudam a ciência a entender como poderá ser a alteração do clima, ainda mais diante de uma variável nova, a ação humana. A emissão de gases que aquecem o planeta, como dióxido de carbono, poderá agilizar uma "mudança global" no clima que, no passado, levaria muito mais tempo e seria registrada aos poucos, como na cratera paulistana. (Ricardo Bonalume Neto)

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