São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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'Infrator' desmoraliza a prefeitura carioca

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Os cariocas ganharam um herói há pouco mais de duas semanas e, como suas façanhas escaparam até às crônicas do Cony e do Callado, só agora os leitores da Folha terão o enorme prazer de conhecê-lo. Antes tarde do que nunca. Seu nome: Paulo Lyra. Idade: 47 anos. Profissão: editor de texto. O que ele fez? Provou por "a" mais "b" que o Rio virou uma tremenda avacalhação, onde a delinquência não é coibida, a polícia é inoperante e a Prefeitura não funciona.
Como? Cometendo, de propósito e com certo estardalhaço, uma série de infrações nas ruas de Ipanema, uma das zonas mais nobres da cidade e a mais frequentada por turistas. Perturbou o trânsito de veículos e pedestres, avançou sinais fechados, estacionou seu carro em locais proibidos, armou sem licença uma barraca de frutas na calçada mais movimentada do bairro; fez o diabo –e por nenhum desses delitos foi sequer admoestado por quem é pago com o nosso imposto para manter a cidade ordeira, limpa, civilizada.
"Fiz tudo na esperança de ser multado", declarou Lyra, "mas, infelizmente, nada aconteceu. O Rio está perdido. A certeza da impunidade está acabando com o senso de civilidade e comunidade do carioca".
Lyra, que aliás nasceu em Recife, inventou uma forma assaz original de desobediência civil, que merecia frutificar em outros centros urbanos. Antes de apelar para a "práxis" subversiva, fez o que tantos outros indignados costumam fazer: denunciou às autoridades competentes as violações mais comuns praticadas na cidade. Perdeu a conta de quantas cartas enviou a repertições da Prefeitura e à Polícia Militar, nos últimos dois anos. Todas sem resposta. Abnegado, chegou a esboçar um "mapa da bagunça" do Rio para facilitar a arrumação. Tampouco lhe deram bola. Sua paciência esgotou-se na última semana de janeiro. Mas não sua imaginação. Nem sua desconfiança de que, na barbárie vigente, só o escracho funciona.
Os moradores de Ipanema –e não só os de Ipanema, diga-se– vibraram com a intrepidez do rapaz e se solidarizaram com o seu benigno terrorismo urbano. Perigo de que deliquentes de verdade saquem da algibeira a desculpa de que "estavam testando a impunidade" não existe, pois, conforme provou Lyra, os vigias da lei e da ordem não vigiam lhufas.
O prefeito César Maia, em vez de cumprimentar Lyra pelo inestimável serviço prestado à comunidade e, por tabela, à sua administração, xingou-o de "palhaço" e ainda ameaçou colocar no seu encalço a Receita Federal. Lyra nem se deu ao trabalho de devolver o insulto, pois, além de educado, tem a certeza de que palhaço o alcaide carioca não é. César Maia é apenas um parlapatão.
Mais triste que um país necessitado de heróis, é uma cidade como o Rio necessitada de prefeito.

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