São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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Bombas infernizam moradores de Huambo

KARL MAINER
DO "THE INDEPENDENT", EM HUAMBO

Enquanto prepara o almoço para sua família -16 pessoas ao todo-, Maria Sasfates sai para o quintal, cercado por pilhas de destroços deixados por duas bombas de 227 kg. "Vamos ficar aqui para sempre", diz ela.
O apartamento e a lanchonete de Maria sobreviveram, não se sabe como, ao bombardeio dos jatos de fabricação russa, em setembro passado, mas os prédios de ambos os lados ficaram reduzidos a escombros. Uma das bombas caiu no lugar exato onde os pais de Maria estavam sentados até 30 minutos antes do ataque, quando decidiram entrar para jogar baralho. "Foi um milagre não ter acontecido nada a eles", diz Maria.
Maria, que tem 22 anos, estava servindo sopa a fregueses quando os bombardeiros surgiram. "Já estávamos acostumados com aquilo. Quando ouvimos o barulho dos MiGs, corremos para nos esconder". Ninguém da família de Maria ficou ferido, mas um pedestre e um sapateiro idoso morreram.
O bombardeio ao bairro em que Maria mora fez parte da última rodada de ataques aéreos promovidos pelo governo do presidente José Eduardo dos Santos contra a cidade de Huambo, no planalto central de Angola, um dos redutos da Unita (União Nacional pela Independência Total de Angola), de Jonas Savimbi. Ou melhor, foi o último ataque até 6 de fevereiro, quando os jatos voltaram para atirar pelo menos mais seis bombas.
A retomada dos bombardeios aconteceu ao mesmo tempo em que fortes combates irrompiam na cidade de Cuito, nas mãos do governo, a 190 km de Huambo. É provável que os conflitos atrapalhem os trabalhos das organizações humanitárias internacionais que procuram alimentar milhares de pessoas à beira da morte no planalto central de Angola, habitado pelo maior grupo étnico angolano, os ovimbundus, seguidores da Unita.
A retomada dos combates também prejudica as negociações de paz entre a Unita e o governista MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola), que vêem sendo realizadas há três meses em Lusaka, capital da Zâmbia. O objetivo das negociações, patrocinadas pela ONU, é acabar com a guerra civil qualificada pela ONU como o pior conflito do mundo. As hostilidades foram retomadas depois de um cessar-fogo de 18 meses, quando Savimbi recusou-se a aceitar sua derrota nas eleições de setembro de 1992.
As forças da Unita capturaram Huambo em março de 1993, depois de um cerco que durou 55 dias e deixou boa parte da cidade destruída. Pichações nos muros crivados de balas prometem "um novo futuro" aos partidários da Unita, mas para os 300 mil hbitantes da cidade que os portugueses chamavam de Nova Lisboa os últimos meses foram um pesadelo.
O embargo internacional de petróleo às áreas sob controle da Unita deixou as ruas de Huambo vazias. As únicas exceções são uns poucos veículos da própria Unita, da Igreja católica e de um punhado de organizações humanitárias.
Antes da guerra chegar a Huambo, Elizabeth Casilva, 42 anos, vivia com seu marido Antônio e os seis filhos no bairro de classe média baixa de Bom Pastor. Quando começaram os combates, a oficina mecânica de Antônio foi destruída. Em novembro passado Elizabeth e várias das crianças começaram a sofrer de desnutrição aguda. A mãe foi ao mercado vender suas roupas. No Natal já não sobrava nada por vender e o caçula, Erickson, 4, estava à morte.
"De manhã eu misturava um pouco de fubá com água para dar às crianças", conta Elizabeth. Um mês atrás ela passou a levar Erickson ao centro de alimentação do fundo Save the Children (Salve as Crianças). A barriga distendida e o cabelo avermelhado de Erickson, sinais de desnutrição aguda, já estão diminuindo.
"Ninguém entende por que os combates continuam. Seria um grande prazer se esta guerra terminasse", diz Elizabeth, num tom de cinismo comum em Huambo. É um cinismo fomentado por um governo que bombardeia suas proprias cidades e por um movimento oposicionista disposto a sacrificar a vida de milhares de civis para saciar sua sede de poder.
Tradução de Clara Allain

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