São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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África padece de fome, miséria e desprezo

JIMMY CARTER

A África sofre gravemente, de modo nem sempre reconhecido pelas nações ricas. Hoje o africano médio consome 70 calorias diárias menos do que 20 anos atrás, e durante este período o número de pessoas que passam fome mais do que dobrou. Milhões de africanos sofrem de doenças facilmente evitáveis, sequer conhecidas pelos habitantes do mundo desenvolvido.
Os opressores políticos e militares continuam a privar a população africana de educação, saúde, respeito próprio, dignidade e autodeterminação. As pessoas que estão morrendo de fome, que não têm esperanças, que não têm controle sobre sua própria vida, têm tendência a reagir com violência quando confrontadas com a necessidade de proteger suas famílias.
O problema da fome constitui um exemplo claro das falhas da assistência para o desenvolvimento. Embora haja alimentos suficientes para todos no mundo, e continuará havendo pelas próximas três décadas, há pessoas morrendo de fome até mesmo nos países que têm abundante produção agrícola. A solução consiste na melhor coordenação da distribuição nacional e internacional dos alimentos.
Há muitos programas fragmentados sem coordenação em um único país, cada um procurando tratar isoladamente do mesmo problema. Alguns chefes de Estado africanos já me disseram que essa cacofonia de ofertas de assistência os deixa sem saber a quem recorrer. As entidades competem pelos fundos locais e vigiam os próprios terreiros com ciúmes, hesitando em admitir falhas ou em reconhecer que a cooperação poderia aumentar a eficácia. Os administradores dos programas são remanejados com frequência. Não sei de nenhum país em que alguém seja responsável pelo sucesso ou fracasso a longo prazo de um projeto de assistência para reduzir a fome.
É preciso que haja uma abordagem abrangente à assistência em cada país, uma força-tarefa tanto entre os doadores, que precisam cooperar com os outros, quanto entre os receptores num mesmo país, que também precisam cooperar entre si.
Em nível mundial, os órgãos oficiais também precisam se intercomunicar. Enquanto o Banco Mundial está rapidamente aumentando a ênfase na nutrição, a Usaid, por exemplo, está relegando o tema a um segundo plano. As organizações não-governamentais também precisam ser acolhidas e incluídas nos programas de ação.
Uma das falhas infelizes do processo de desenvolvimento tem sido a exclusão dos grupos receptores. Grupos sociais particulares, especialmente mulheres e as camadas sociais mais pobres, precisam desempenhar um papel integral na formulação dos programas finais em seus povoados, dentro do contexto de suas próprias culturas.
Eliminar o protecionsimo nos países ricos, através de medidas como os acordos do Gatt e do Nafta, também é essencial para assegurar um futuro melhor para os países mais pobres. O valor das oportunidades de produção e comerciais perdidas nos países em desenvolvimento excede de longe o orçamento mundial da ajuda externa que recebem. A exportação de grãos subsidiados para países em desenvolvimento e os preços artificialmente baixos pagos por sua própria produção de grãos acabam com os incentivos à produção.
Reconhecendo que a ajuda para o desenvolvimento não tem sido eficaz, o secretário-geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, e eu patrocinamos uma conferência no Centro Carter de organizações doadoras internacionais e países receptores para encontrar meios de melhorar a assistência.
Como resultado da conferência, uma Iniciativa de Desenvolvimento Global, experimental, para coordenar a assistência, será testada na Guiana, na Etiópia e em outros países que têm demonstrado compromisso com a paz e a democracia. A não ser que essas nações comecem a viver um alívio de seu sofrimento e algum progresso econômico, elas correm o risco de ver a democracia ameaçada.
Existem possibilidades de cooperação, amizade, compreensão e partilha entre as nações ricas do mundo e os países que anseiam por uma vida melhor. A população da África aguarda a vontade política de seus líderes e o reconhecimento, por parte da comunidade mundial, de que o progresso no continente é possível e que é do interesse de todos nós.

Copyright Los Angeles Times Syndicate.

Tradução de Clara Allain

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