São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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EUA criam justificativa para os atos de vingança

JOHN OMICINSKI
"USA TODAY", DE ARLINGTON

Pode a vingança ser legalmente justificada?
Outra pergunta, ainda mais assustadora: existe o direito à vingança?
Estas perguntas estão embutidas nos julgamentos-espetáculos envolvendo o casal Bobbitt, os irmãos Menendez e os agressores de Reginald Denny.
Nos casos mencionados, nenhum dos réus sofreu ameaça de morte iminente. Isso elimina um dos fatores-chave para justificar o homicídio retaliatório, na lei criminal tradicional. Portanto, a verdadeira pergunta a se fazer passa a ser: a vingança é permissível?
O parricídio é permitido nos EUA sob determinadas circunstâncias politicamente corretas? É permissível mutilar um marido canalha? É permissível abrir a cabeça de um homem inocente só porque ele é branco e está no lugar errado, na hora errada?
Lorena Bobbitt decepou o pênis do seu marido com uma faca de cozinha porque, em suas palavras, ela havia sido estuprada e sofrido abusos.
Os irmãos Menendez entraram na sala de estar de sua casa e balearam seus pais, enquanto estes comiam morangos com creme. Saíram da sala para recarregar as armas e voltaram para dar cabo de sua mãe, que se arrastava pelo chão. Tudo isso, segundo eles, para se vingar de abusos sofridos na infância, embora o fato de terem se apressado a comprar carros e relógios caros sugira que o desejo de riqueza constituísse motivação mais imediata.
Depois de utilizarem tijolos para abrir a cabeça do motorista branco Reginald Denny durante os tumultos em Los Angeles (1992), seus agressores negros receberam penas insignificantes, tendo se retratado aos jurados como vítimas inocentes que reagiam contra uma sociedade injusta.
É preciso que fique muito claro: o que está sendo pesado é o direito de um indivíduo de tomar a lei em suas próprias mãos –fazendo as vezes de polícia, juiz, júri e carrasco– quando ele se sente suficientemente agredido ou faz parte de uma classe protegida, especial (negros, mulheres, crianças).
Os júris demonstraram ter grande dificuldade em pesar os veredictos. Este fato é um indicativo da confusão que sentimos, à medida que nos dirigimos a novos padrões de conduta que toleram a vingança no caso de integrantes de classes especiais: mulheres, negros, crianças que sofreram abusos. Outras classes protegidas irão surgir a seguir, à medida que esta doutrina da vingança justificável for expandida e refinada por nosso psicótico sistema judiciário.
Numa era em que vale a ética imposta pela situação, o antigo mandamento está sendo reescrito em estilo americano, e passa a dizer algo do tipo: "Não matarás, a não ser que tenhas sofrido abusos, que teus direitos tenham sido desprezados, ou que tenhas vivido na pobreza ou que a vida não tenha sido justa para ti".
Bobbitt, Menendez e Denny deixam claro a situação em que nos encontramos. Moralmente, os americanos estão vagando sem rumo, como beduínos num imenso deserto, procurando oásis de negação ou juntando-se em bandos para assegurar seu poder e sua segurança. Ao justificar a vingança, o caminho moral tomado pelos EUA parece levar a lugar nenhum.

Tradução de Clara Allain

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