São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Um Carnaval de clássicos

JOSÉ PAULO PAES

Vou aproveitar os feriados de Carnaval para curtir "Por que Ler os Clássicos", de Ítalo Calvino. Não deixa de ser uma época do ano adequada para esse tipo de leitura. Pois entre clássicos e Carnaval há algo em comum. As marchinhas, por exemplo. Até hoje, nos salões dos clubes, cantam-se marchinhas de 30, 40 ou 50 anos atrás, já que poucos foliões conhecem letra e música das recém-lançadas, as quais, no melhor dos casos, estarão completamente esquecidas no ano seguinte.
Não é difícil explicar por quê. Graças às suas qualidades intrínsecas, as velhas marchinhas resistem à prova das décadas, enquanto as novas, de tão medíocres, mal aguentam uma prova de dias. Para citar dois exemplos extremos: entre as de Lamartine Babo e as de Silvio Santos, há a mesma diferença que entre o sol do meio-dia e uma lâmpada de 15 velas.
Com os clássicos acontece o mesmo. Impiedoso, o tempo se encarrega de pôr ordem na casa das letras, atirando ao lixo o que não preste e guardando apenas o que mereça ser lembrado. Isso sem nenhum preconceito, elitista ou populista. Tanto assim que salva do esquecimento e dá permanência tanto à "Odisséia" de Homero quanto a "O Conde de Monte Cristo" de Dumas, clássicos um e outro, cada qual à sua maneira.
Mas uma permanência que tal, para merecer o nome, não pode ser da boca da fora, tem de ser dos olhos para dentro. Explicando melhor: não basta dizer feito papagaio que "D. Quixote" é uma obra-prima e que Cervantes foi o maior escritor da Espanha. Cumpre ler o texto integral dessa obra-prima para convencer-se de que o é de fato e de que conserva até hoje seu poder de encantar e divertir. Caso contrário, o rótulo de clássico não passa de um rótulo vazio, comumente aplicado a "um livro que se elogia e não se lê."
Esta citação de autor desconhecido foi recolhida por Paulo Rónai, que lhe contrapôs uma oportuna observação de Otto Maria Carpeaux: "A grandeza de um poeta consiste em ver as coisas pela primeira vez, como se ninguém as tivesse visto antes, e um –clássico– insuportável volta a ser o grande poeta de outrora por uma leitura `pela primeira vez"'.
Seja como for, da boca para fora ou dos olhos para dentro, o fato é que os clássicos voltam a estar na ordem do dia entre nós. E um país de cultura tão rala como o Brasil não lhes pode dispensar a presença. As edições mais recentes melhoraram inclusive de padrão de qualidade: a tradução é boa no geral, boas as introduções e as notas explicativas, e algumas edições dão se inclusive ao luxo de texto bilingue. É o caso de "Sobre a Brevidade da Vida", de Sêneca. Seu editor me contou ainda outro dia que as vendas desse livro aumentaram consideravelmente quando uma coluna social o classificou entre os itens "in" e logo depois noticiou que estava sendo lido pelo ministro Fernando Henrique Cardoso.
Já imaginaram se, em vez do ministro, tivesse sido Madonna ou Michael Jackson? Aí então surgiria, insolúvel, a dúvida: será que os fãs deles lêem alguma coisa? Mesmo que não lessem, mas comprassem, só isso valeria a pena. Há sempre a possibilidade, ainda que remota, de, preso em casa num dia de chuva, sem nada que preste na televisão, um deles abrir o livro por acaso e correr os olhos pelas primeiras linhas. Quem sabe não acontece então ele avançar pelas linhas seguintes e absorver-se na leitura? Pois quando lido e curtido por acaso é que um clássico prova ser mais clássico do que nunca.

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