São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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"Festival glúteo" preenche a madrugada

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DO MAIS!

A mediocridade e o tédio que acompanham as transmissões dos bailes de Carnaval na TV não são culpa apenas do eventual despreparo e da falta de imaginação dos repórteres e convidados especiais que entram em ação nos salões madrugada adentro.
É claro que ajudam muito: perguntas protocolares, falsa animação e grossura surgem como rios, cachoeiras e cascatas dos microfones encarregados de reportar a "folia".
Mas há um problema maior: o baile é um evento que, na realidade, não resiste a uma transmissão mais longa. E as que vão ao ar são longuíssimas.
O Carnaval de salão não tem uma organização factual, no sentido do fato jornalístico e/ou televisivo.
Não há uma estrutura para a narração: não tem começo, não tem meio, não tem fim. Não há o que ser contado, não há nada que esteja por vir, não há um encadeamento que pressuponha uma sequência de acontecimentos, não há acontecimento de espécie alguma.
Monotonia
O baile é uma eterna e monótona repetição de si mesmo. Sua estrutura é circular e tautológica. Acaba como começou.
Diferente dos desfiles das escolas, cuja monotonia linear é compensada pela sucessão de alas, de alegorias, de cores, de destaques. Não que os desfiles das escolas deixem de padecer de um certo tédio para quem os acompanha pela TV: a passagem muito demorada, o número exagerado de componentes e a repetição durante uma hora do mesmo samba podem ser torturantes.
Mas em torno do desfile é possível se montar uma estrutura jornalística televisiva: mostra-se a evolução, flagram-se detalhes, há diversos aspectos a se comentar, como a qualidade do samba, das fantasias, das alegorias etc.
E há competição -ingrediente que como sabem perfeitamente os americanos pode transformar quase qualquer coisa em espetáculo.
Já a transmissão de um baile é mais ou menos semelhante ao que poderia ser a tentativa do exibir ao vivo um domingo na praia. Não há muito o que se ver, exceção gritante e única de corpos a mostra.
É o que fazem os repórteres: passam a madrugada inteira selecionando moças que consideram "interessantes" para saltitar diante da câmera e chacoalhar seus traseiros para o telespectador.
As perguntas não servem para nada, apenas para dar um falso ar de acontecimento ao festival glúteo que preenche em big-close a tela dos notívagos.

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