São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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A globalização e os dekasseguis

PAULO YOKOTA

O fluxo de trabalhadores temporários do Brasil para o Japão dá sinais de declínio. Os vistos do consulado japonês em São Paulo neste ano não devem passar de 30 mil, metade do ano passado.
Ainda assim, somando todos os brasileiros que estão trabalhando no Japão, o contingente é estimado em 200 mil almas, mais que os imigrantes que de lá vieram originalmente para este país. Os dados bancários disponíveis indicam que eles remetem mais de US$ 1 bilhão anualmente para o Brasil.
Ajudaram a produzir mais de US$ 6 bilhões anuais de valor adicionado no Japão, o que resultou em cerca de US$ 1,5 bilhão de tributos locais. Ainda que tenham utilizado muitos serviços públicos, alguns dirigidos para este contingente, deixaram margem de recursos públicos que poderiam ser dirigidos para beneficiá-los.
As autoridades japonesas estão aumentando a prestação de assistência a estes "dekasseguis", mas procuram ignorar a possibilidade de que se tornem trabalhadores permanentes. A melhor assistência para aqueles que retornarão para o Brasil seria um aprendizado sistemático das técnicas e ambientes de trabalho nas empresas japonesas, como o "total quality control", "just on time", "kanbam" etc. Como estas práticas estão sendo introduzidas nas empresas brasileiras, uma maior familiaridade com elas facilitaria a possibilidade de sua readaptação ao trabalho no retorno ao Brasil, trazendo alguma cultura técnica.
No entanto, é preciso admitir que uma significativa parcela destes "dekasseguis" tentarão continuar trabalhando permanentemente no Japão, e seria desejável que não se tornassem ilegais, com uma maior flexibilidade na legislação local. As restrições só podem aumentar a marginalidade.
O nível de renda per capita do Japão é sensivelmente mais elevado que a do Brasil e ainda que a sua taxa de desemprego esteja se elevando, é bem mais baixa que a registrada na economia brasileira. Nestas condições a tendência de manter-se por lá é acentuada.
Mesmo com uma eventual retomada do processo de desenvolvimento brasileiro, não se pode esperar por um significativo crescimento da oferta de emprego. Como o Brasil procura maior competitividade nos mercados internacionais, registrar-se-ão racionalizações nas utilizações da mão-de-obra, principalmente porque os encargos relacionados com a folha de pagamento por aqui são acima dos internacionais.
O paralelo do México é dramático. Para incorporar-se ao Nafta e aumentar as suas exportações para os Estados Unidos e Canadá, é obrigado a competir com os asiáticos, racionalizando sua produção, o que provoca a redução dos postos de trabalho, apesar de sua abundância relativa de mão-de-obra subempregada.
Os "dekasseguis" são decorrentes de problemas econômicos, que acabam sendo mais fortes que as eventuais restrições legais. E o fenômeno da globalização da economia, com a incorporação dos grandes contingentes asiáticos de baixos salários no mercado internacional, determina significativas mudanças estruturais nas economias em desenvolvimento.
Os custos sociais e humanos com a separação de membros das famílias já são muito elevados e estão sendo arcados pelos idosos e crianças remanescentes no Brasil. Com a adequada compreensão dos aspectos econômicos envolvidos é possível tomar medidas que minimizem os sacrifícios destes processos.

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