São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livros 'oscarizáveis' têm edição brasileira

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Já é 21 de março nas livrarias. O Oscar de melhor livro vai para um dos cinco títulos seguintes: "A Era da Inocência", de Edith Wharton, "A Lista de Schindler", de Thomas Keneally, "Atalhos", de Raymond Carver, "Filadélfia", de Cristopher Davis, e "Vestígios do Dia", de Kazuo Ishiguro. Todos foram ou estão para ser lançados em edição brasileira. E todos deram origem a filmes candidatos em alguma categoria ao Oscar de 1994, que será entregue no mês que vem.
Naturalmente, "A Era da Inocência", como livro, é o melhor. Filmado por Martin Scorsese (sob o título "A Época da Inocência"), ainda preserva o poder sugestivo da narrativa de Wharton. Mas perde o estilo, e um senhor estilo; Wharton escrevia com a tal "intensidade poética" sem fazer dela esse lugar-comum da literatura feminina. Admiradores de Virginia Woolf vão se deliciar em considerar os paralelos.
Mais importante, para quem quer saber o que o livro tem que o filme não tem, é notar o seguinte: se Wharton era uma aristocrata da pena, Scorsese não é um da câmera. Lança recursos alternativos, por vezes inteligentes e belos, como a abertura do filme criada pelo legendário Saul Bass, um dos maiores artistas gráficos americanos, em que flores desabrocham em frente a cartas escritas à mão. Mas predominam os recursos pouco sutis como as alternâncias com as cenas da ópera, o crepitar da lenha nas lareiras, os rituais das refeições, os "closes" nas pinturas.
"Vestígios do Dia", o filme, é parente próximo de "A Era da Inocência", o filme. Estréia em São Paulo no próximo dia 25, mas quem já viu o trailer ou, melhor, quem conhece o estilo Ivory/Merchant ("Retorno a Howards End") pode prever que o apuro decorativo vai dar o tom e a tônica. O problema é que não vai muito além disso. Aliás, injustiça com Scorsese. Seu filme não fica no estilo "granfa americano deslumbrado com aristocracia inglesa" de Ivory e Merchant. Mesmo que estes contem com Emma Thompson e Anthony Hopkins no elenco.
Acontece que o livro de Kazuo Ishiguro, um escritor japonês radicado em Londres (os japoneses de hoje são os americanos de ontem?), dá corda à afetação Ivory/Merchant. Muito elogiado no mundo todo à época do lançamento (1991), não é mais que bem escrito. Poderia ser um grande livro –e isto é um elogio– se tivesse ido a fundo nas sugestões culturais de sua história. Ironicamente, o que ela poderia mostrar é como léguas de vivência e conhecimento separam um mordomo, ser humano da classe média envernizado por modos que lhe são alheios, de um aristocrata inglês. E como isso dói. Mas não.
Por falar em afetação, tudo que Raymond Carver não vê na vida é motivo para isso. O afeto é uma lacuna para seus personagens. "Atalhos", que em inglês sugere "talhos" também ("Short Cuts"), é um livro povoado por descrentes, desanimados, desgarrados, que passeiam pelas ruas escuras de Los Angeles tristes, mas nem tanto, ou alegres, mas nem tanto. O minimalismo de Carver cansa, mas, ao que consta, Robert Altman o filmou com fôlego. A conferir em março.
Também em março, no dia 11, chega às telas locais "Filadélfia", o filme de Jonathan Demme baseado no livro de Cristopher Davis. A Record planeja o lançamento para início de março, mas do livro pouco se teve notícia antes da adaptação. O tema é espinhoso: a história de um advogado que é demitido por ter Aids e decide processar a firma.
Igualmente espinhoso é o tema de Thomas Keneally em "A Lista de Schindler", em que Steven Spielberg baseou seu filme candidato a 12 Oscars, que estréia em São Paulo ainda este mês. Conta a história de um empresário alemão que salvou a vida de centenas de judeus na Segunda Guerra, empregando-os em sua fábrica. O livro é bem narrado e repleto de pequenos curiosos eventos que o filme não tem. Nada mais.

Texto Anterior: Jacksons tentam resgatar o passado
Próximo Texto: Filme cubano já é favorito em Berlim
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.