São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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Filme cubano já é favorito em Berlim

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

O primeiro final de semana de Berlim-94 termina com um favorito. Repetindo o êxito de dezembro último no festival de Havana, o filme cubano "Morango e Chocolate" (Fresa y Chocolate) tornou-se até aqui o mais aplaudido da competição. Co-assinam a direção o decano dos cineastas de Cuba, Tomas Gutierrez Alea ("Memórias do Subdesenvolvimento"), e seu tradicional colaborador Juan Carlos Tabio ("Se Permuta").
"Morango e Chocolate" é um corajoso filme-manifesto em defesa do tolerância e da diferença na Cuba socialista, sem o peso do cinema-panfleto. Seu tom é trágicômico. Tudo se passa na Havana de 1979. É o auge da repressão aos homossexuais na ilha. David (Vladimir Cruz), um jovem militante da juventude comunista, encontra Diego (Jorge Perugorria, soberbo), um extrovertido e culto artista gay. O filme assume logo a face de um romance de iniciação -não homossexual, mas sexual, social e estética. A autodescoberta de David, que vai se revelar escritor e heterossexual, tem por pano de fundo um contundente retrato da experiência cubana.
O filme de Alea e Tabio critica com muito humor a fragilidade econômica da experiência "socialista", a estupidez da burocracia, a discriminação oficializada. "O socialismo é um excelente roteiro pessimamente dirigido", brincou Gutierrez Alea na coletiva de anteontem. É este o tom de seu filme, estruturado a partir de um roteiro complexo originado pelo conto "O Lobo, o Bosque e o Homem de Novo" de Senel Paz.
Um paralelo remoto pode ser traçado entre "Morango e Chocolate" e "O Beijo da Mulher Aranha". No livro de Manuel Puig, filmado por Hector Babenco, o encontro entre o homossexual e o militante dá-se no cárcere e torna-se um balanço de vida. No filme de Alea e Tabio, o encontro acontece ainda em plena juventude, e desenvolve-se à luz do dia, possibilitando assim uma análise social além da psicológica. "O Beijo" é mais onírico e universal, "Morango", mais realista e histórico-regional.
"Conduta Imprópria", o documentário de Nestor Almendros sobre a perseguição aos homossexuais em Cuba, é outra referência obrigatória. Na entrevista, o próprio Alea assumiu a comparação: "Meu filme é uma resposta aquele documentário. Nele, Almendros recorre a muitos depoimentos verídicos de homossexuais, mas às vezes é possível manipular os fatos e não dizer toda a verdade. Os dois filmes denunciam a intolerância, mas procurei mostrar que tudo é mais complexo e que na realidade sempre houve quem lutasse contra a discriminação".
"Morango e Chocolate" foi o grande vencedor do Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana. Está desde então em cartaz em Cuba, com filas intermináveis. Sua absorção pelo regime catrista simboliza, para Alea, "uma nova maturidade". Na falta de pão -e não vai aqui nenhum exagero-, circo -ainda que crítico. Alea e Tabio não voltarão a Havana de mãos abanando.
Outro dos favoritos para o Urso de Ouro monopoliza as atenções hoje. É o diptico "Smoking/ No Smoking", assinado pelo veterano francês Alain Resnais ("Meu Tio da América"). Completa o programa de hoje dos competidores o filme alemão "De Volta à Praça Um" (Alles Auf Anfang) de Reinhard Muenster.

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