São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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Sem desculpas

Desde o final do ano passado vem patinando no Congresso uma das maiores oportunidades de mudança no país nos últimos tempos. Temas de enorme impacto para todo o sistema político nacional e para a própria viabilidade do Estado brasileiro têm sido postergados para além do compreensível. Agora, porém, superado o Carnaval e com a aproximação das campanhas eleitorais, novas protelações já beirariam o limite do tolerável.
É claro que a revisão constitucional não vai revolucionar a nação do dia para a noite, mas pode retirar obstáculos que hoje dificultam ainda mais a estabilização do Brasil. E para um país que já conta em décadas o tempo de desenvolvimento perdido para a história, essa é uma tarefa mais do que urgente.
Sem deixar de lado outras funções que lhe cabem –como a votação do Orçamento, por exemplo–, é hora de o Congresso finalmente começar a dedicar à revisão o empenho e a atenção que sua importância requer. Vale notar que o início do processo, em que pese a lentidão, acenou com a possibilidade de diversos avanços na estrutura institucional brasileira.
De fato, entre os pareceres da relatoria da revisão que vêm sendo divulgados constam pontos importantes que merecem apoio. No aspecto político, aquele no qual o processo se encontra mais avançado, propôs-se por exemplo a adoção do voto distrital misto. Esse sistema traria um nítido aperfeiçoamento do mecanismo de representação política, aproximando o eleitor de seu representante ao mesmo tempo em que assegura a participação das minorias.
Ainda no campo político, é de se saudar a proposta de fortalecimento da fidelidade partidária, que estimularia a organização de agremiações com um grau mínimo de coesão idológica e programática.
Do mesmo modo, a redução do mandato presidencial e a permissão para uma reeleição acertadamente equilibram o benefício da continuidade de uma boa administração com o risco da perpetuação no poder. Aqui, contudo, é preciso alertar contra distorções como a proposta de reduzir imediatamente o prazo de desincompatibilização de seis para três meses para certas autoridades do Executivo. É um lamentável casuísmo destinado a favorecer um grupo restrito de políticos.
A consolidação das propostas no âmbito econômico encontra-se menos adiantada, mas já se sabe, por exemplo, que a proposta preliminar da relatoria corretamente defende o fim dos monopólios da União –instituto herdado de eras e filosofias ultrapassadas. Outros temas econômicos, porém, de igual relevância ainda terão de ser enfrentados, como a reforma da Previdência, cujo modelo já deu mostras suficientes de saturação. Não poderão ficar de fora ainda uma reforma tributária que corrija a intricada e injusta estrutura atual, nem a redistribuição de encargos e receitas entre União, Estados e municípios.
Como se vê, a revisão ostenta uma agenda tão extensa quanto crucial e é a que se coloca agora diante dos congressistas. Mais ainda, do voto à aposentadoria e aos impostos, seus impactos recaem diretamente sobre a população. Seria decerto irrealismo ignorar as dificuldades que se interpõem no caminho de uma revisão adequada, do corporativismo às fortes resistências dentro do Congresso.
Mais uma razão, portanto, para que a sociedade, organizada nas suas mais diversas formas, acompanhe vigilante os trabalhos do Congresso Revisor. Por maiores que sejam os entraves, esse é um tipo de pressão cuja eficácia a recente história política já comprovou.

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