São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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Uma saída para a Bósnia

Bem no coração da Europa trava-se, já há 22 meses, uma guerra terrível, fratricida. Esse conflito recolocou no vocabulário mundial conceitos como "faxina étnica" e "campos de concentração", que, esperava-se, já estivessem banidos para sempre. E as principais potências do Ocidente assistem, impotentes, a essa carnificina.
Agora, após mais um deprimente espetáculo de barbárie que ceifou a vida de 68 pessoas, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) finalmente lançou um ultimato para que as forças sérvias abandonem o cerco à capital bósnia, Sarajevo. Caso os sérvios não retirem sua artilharia, a Otan ameaça bombardear suas posições.
A primeira questão que se coloca é a de se a comunidade internacional pode legitimamente intervir no conflito. Para além de tecnicalidades jurídicas, vem cada vez mais prevalecendo a tese de que zelar pelo cumprimento dos direitos humanos é uma questão que não conhece fronteira nenhuma.
Assim, o mundo estaria agindo legitimamente ao interferir em qualquer país em que esteja havendo violação de direitos humanos. É evidente que uma interpretação estrita desse princípio permitiria a qualquer país intervir em qualquer outro, pois não há nação em que não existam pelo menos casos esporádicos de violação desses direitos. A experiência, contudo, ensina que as mobilizações e pressões para uma intervenção ocorrem apenas nos casos extremamente graves.
Cabe examinar a alternativa, ou seja, a tese de que tudo o que acontece dentro das fronteiras de uma determinada nação é assunto que diz respeito unicamente a ela. Neste caso, pode-se imaginar, por exemplo, um Hitler menos megalomaníaco, mas igualmente homicida, que tivesse decidido eliminar todas as raças não-arianas apenas dentro das fronteiras alemãs. A prevalecer o princípio da não-interferência, o mundo nada poderia fazer contra o ditador assassino.
Assim, em nome da preservação da raça humana, é melhor admitir que a comunidade internacional tem o direito de agir contra as violações aos direitos humanos e torcer para que ela saiba usar esse direito com sabedoria, pois são imensos os riscos de interferências políticas travestidas de motivos nobres.
Uma outra questão que se coloca no caso da Bósnia é se a forma de intervenção pretendida pela Otan é a mais adequada. E aqui, tudo sugere que não. Em primeiro lugar, é extremamente improvável que os bombardeios ocidentais obtenham a precisão desejada pelos chefes militares, como bem o provou a Guerra do Golfo, com grandes riscos para a população civil. Em segundo lugar, trata-se de uma ação sem objetivo claro, apenas uma forma de pressionar os sérvios. Por fim, existem tropas da ONU no território da ex-Iugoslávia. Os sérvios teriam um alvo fácil para tentar retaliar as ações ocidentais.
Enfim, é ótimo que o Ocidente esteja preocupado em pôr um fim à carnificina na Bósnia. Resta saber se a forma escolhida tem alguma chance de êxito ou se se trata apenas de uma encenação para acalmar a opinião pública mundial.

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