São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Gigantismo ameaça a festa em Salvador

BOB FERNANDES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Estimadas 1,5 milhão de pessoas passam por dia pela ruas de Salvador neste Carnaval e, cada vez mais, a estrutura montada para que as TVs tenham imagens em abundância agiganta e imobiliza o Carnaval de rua da Bahia.
Daniela Mercury, Elba Ramalho e Buiuzinho chegam ao Campo Grande às 13h de segunda. Daniela ordena: "Quero ver o pessoal arrasar em frente à TV". Nas cabines de quatro emissoras, repórteres gesticulam, desesperados, para o trio elétrico. Uma repórter entra ao vivo. Outra pede que o trio não se vá e aguarde sua entrada. Após os comerciais.
A estrutura para as TVs exige um controle da passarela do Campo Grande. Neste ano, pela primeira vez, os trios, blocos e afoxés passam em frente às arquibancadas sem povo atrás. Uma cancela à entrada do desfile só deixa passar os fantasiados. Olhar, na passarela, só disputando as 2.500 vagas, a CR$ 1,5 mil, nas arquibancadas. Ou sendo VIP nos camarotes. Na segunda-feira, o secretário de Comunicação da prefeitura, Domingos Leonelli, interferiu. Mandou abrir a cancela e disse: "O espetáculo é a multidão. Não existe trio sem bloco".
No Farol da Barra, nova disputa em frente às câmeras. Jornal Nacional, da Globo, no ar. Timbalada e Melomania brigam, no som, para ver quem fica ao vivo. O trio da banda Mel libera 110 decibéis de som e engole os timbaus.
Quem paga –até US$ 250, nos grandes blocos– sai às ruas cercado por uma corda e seguranças. Que, historicamente, travam uma guerra com os desfantasiados, encurralados nas calçadas. Ao longo da orla do Farol, çalçadas não há mais. De um lado estão as barracas. De outro, os moradores dos prédios fecham as calçadas com tapumes e erguem "camarotes". Entre cordas e tapumes restam dois metros para a batalha entre os que têm e os que não têm.
O Carnaval, que, até há oito anos, tinha seu coração nos cinco quilômetros do Pelourinho até o Campo Grande, passou pela Barra e, em Ondina, chegou ao seu décimo quilômetro. A mudança espacial agiganta a festa e dissolve, com voracidade antropofágica, tradicionais pontos de encontro.
As ruas próximas ao Farol, em quase dez anos, haviam se tornado ponto de encontro dos que fazem o trajeto Barra-Castro Alves-Campo Grande. O salto até Ondina inchou e desmontou o "point", agora chamado de "rua do vai-e-vem e ninguém-come-ninguém".
Os camarotes, segundo prévia da mídia, seriam palco de mil e uma noites. Na madrugada de segunda, o da Brahma apresentava como grandes, e únicas "atrações", os Monteiro de Carvalho, Olavo e Lilibeth. À entrada do camarote, disputa, resolvida com um rodízio de populares, pela camisa-acesso da cervejaria. Motivo? O cachorro- quente estava divino e maravilhoso. Como é o Carnaval da Bahia que deve, agora, temer e administrar seu gigantismo.

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