São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Prefeito de Sarajevo pede ajuda na Noruega

MIKE LOPRESTI
DO "USA TODAY", EM LILLEHAMMER

Sua casa está sem eletricidade há seis meses. As torneiras têm água só duas vezes por semana. Sua mulher pesava 90 kg e hoje pesa 60 kg. Assim é a vida do prefeito de Sarajevo.
Mohammed Kresevljakovic é um homem magro, de cabelos grisalhos. Tem 54 anos e aparenta 65, fala em voz baixa, só às vezes consegue dar um leve sorriso. É fácil imaginá-lo professor de história, sua profissão anterior.
Três anos atrás ele se candidatou ao cargo de prefeito da cidade na qual viveu toda sua vida. Nuvens negras já estavam se formando sobre a Bósnia-Herzegóvina, mas ele tinha grandes esperanças de conseguir fundir a tradição oriental com a tecnologia ocidental. Então as granadas sérvias começaram a cair sobre Sarajevo, e não pararam mais.
Kresevljakovic trabalha 12 horas por dia, pelo menos 3 das quais dedicadas a ouvir os cidadãos implorarem por água, eletricidade e comida. Às vezes ele conta os mortos e frequentemente encontra amigos pessoais entre eles.
"O trabalho inclui algumas coisas que eu sabia que teria de fazer e outras que jamais imaginei. Mas é minha responsabilidade que as coisas melhorem algum dia."
Kresevljakovic está sentado numa sala silenciosa de segundo andar, no centro da cidade norueguesa de Lillehammer. Pela janela ouve-se o burburinho de uma tarde de domingo, pessoas fazendo compras, a alegria de uma cidade que está sediando uma Olimpíada. Sarajevo também já teve esse burburinho, dez anos atrás.
No centro de Lillehammer, jarras em cima das mesas recolhem donativos para Sarajevo. Durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas o presidente do Comitê Olímpico, Juan Antonio Saramanch, pediu que o mundo fizesse um minuto de silêncio por Sarajevo.
Em 1984 Kresevljakovic estava no estádio de Sarajevo assistindo às Olimpíadas, orgulhoso com a participação de seus filhos, que trabalhavam na organização. Hoje os mortos de Sarajevo estão enterrados em volta do estádio. Seus três filhos estão na polícia ou no Exército. A cada noite, quando eles voltam para casa vivos, Kresevljakovic dá graças a Deus.
O próprio prefeito já teve seu carro atingido por granadas duas vezes. Não é surpreendente que sua mulher perca peso. Talvez o fato de sua família haver comido carne só três vezes nos últimos dois anos também tenha algo a ver com isso.
Ainda falta um ano para terminar o mandato de Kresevljakovic, mas ele não pretende candidatar-se à reeleição. Se a paz chegar a Sarajevo nos últimos meses de seu mandato, ele se dará por satisfeito.
Não será nada fácil. Kresevljakovic esperava que sua visita a Lillehammer servisse para lembrar ao mundo a situação desesperadora de sua cidade. Mas a atenção do mundo é fugaz. No domingo, um dia após o minuto de silêncio, o prefeito deu uma entrevista coletiva à imprensa. Só dois jornalistas compareceram. Os Jogos Olímpicos haviam começado. Sarajevo já deixara de ser notícia.

Tradução de Clara Allain

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