São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Tablitas

ANTONIO DELFIM NETTO

Os verdadeiros desastres do Plano Cruzado produziram uma predisposição das pessoas contra medidas que, em programas de estabilização bem-sucedidos, são fundamenais para a redução das injustiças criadas pelas rápidas variações do valor da moeda nas quais são estabelecidos os contratos.
A idéia de que é uma questão moral instituir uma escala de depreciação do valor da moeda nos contratos fixados nominalmente apavora os agentes. Isso se deve não ao conceito, mas à forma desastrada em que foi posta em prática. O exemplo mais antigo de tablita se encontra na Grécia de Sólon (século 6 a.C.). Diante dos devedores tornados insolváveis pela acumulação de juros espantosos (há 2.500 anos...), Sólon determinou que as dívidas se saldassem com 1/3 de abatimento. A "mina" que valia 75 dracmas, deveria ser recebida, na liquidação dos débitos, pelo valor de 100.
A denominação tablita sugere logo as trapalhadas que até há pouco tempo se atribuiam, injustamente, às decisões de latino-americanos genericamente chamados pelo nome do conhecido inseto ortóptero, noturno e corredor... Infelizmente, o Brasil é o último país a ajustar-se, graças às tolices da "Nova República", do "Brasil Novo" e à tragédia do "Brasil Novíssimo". "Cucarachas" somos nós!
Como se anuncia que não corremos no momento nenhum risco de utilização de tablitas, talvez seja interessante dizer que ela foi aplicada muitas vezes.
Há mais de dois séculos, ela foi usada na única revolução digna deste nome, pois terminou numa república estável, democrática e próspera. Na Revolução Americana (1775-1783), as treze Colônias que haviam transformado em moeda de curso forçado os "Continental Bills", assistiram a uma inflação extraordinária, graças à sua emissão descontrolada. A introdução do "silver-dollar" exigia a conversão da moeda de curso forçado que se havia depreciado quase 40 vezes em apenas 24 meses (taxa de inflação média de 17% ao mês).
O Congresso Continental decidiu, então, que a dívida pública seria paga de acordo com o valor real da moeda no momento em que ela fôra contraída, na forma de uma tabela diária de conversão que se iniciava em 1º de março de 1780, com a relação de 40 para 1. Os Estados e os contratos privados foram também ajustados pela mesma tabela de depreciação.
Os EUA em 1780 respeitaram os credores e terminaram como uma república bem-sucedida. A estabilização alemã de 1923 não os respeitou e terminou no nazismo! Mera coincidência?
Quem sugeriu a idéia de que era preciso uma tabela de depreciação para converter a moeda e os débitos foi Pelatiah Webster (1726-1795), um comerciante de Philadélphia que teve grande influência na Constituição Americana, graças a um livro publicado em 1783.
Na Revolução Francesa, a que produziu a República, o Terror e terminou em Napoleão e numa guerra européia, a idéia foi copiada na remissão dos "assignats" em 1797. O mesmo aconteceu na Áustria em 1813 que, sob a inspiração de Sismondi, copiou o modelo francês. Sismondi, quem diria, aquele mesmo que Marx chamou de precursor do "socialismo pequeno burguês"!

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