São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Confaz não pode quebrar acordo do setor automotivo

VICENTE PAULO DA SILVA

Em vigor há dois anos, o acordo do setor automotivo é uma histórica experiência de saída negociada para uma crise setorial, com importantes reflexos na economia como um todo.
Contudo, ele não é uma maravilha. Tem problemas graves, como o controle sobre a evolução dos preços e dos custos, como os índices insuficientes de crescimento dos níveis de emprego. Mas não é por isso que os trabalhadores vão ficar de braços cruzados diante da decisão do Confaz (Conselho de Política Fazendária), de romper com seu compromisso com o setor, aumentando as alíquotas de ICMS incidentes sobre os automóveis.
Por conta principalmente desse acordo, a arrecadação de ICMS dos Estados cresceu de US$ 486 milhões, em 92, para US$ 639 milhões no ano passado. Um crescimento significativo: 31%. Somado ao IPI, o crescimento da arrecadação tributária, no mesmo período, foi de 33%, ou seja, de US$ 1,369 bilhão, em 92, para 1,815 bilhão, em 93.
Esses números seriam mais que suficientes para discutirmos a inconsequência da decisão dos governadores de aumentar gradativamente as alíquotas do ICMS. Se a decisão for mantida, a partir de janeiro do ano que vem a alíquota do ICMS voltará aos 18% de antes do acordo. O que não sabemos é para onde irão a partir daí os volumes de arrecadação e produção, os níveis de emprego, as estatísticas de consumo e os salários.
No entanto, em março de 92, entre os protagonistas desse acordo estavam também secretários de Fazenda. O próprio Confaz aprovou a decisão de reduzir o ICMS como alternativa para recuperar a arrecadação dos Estados.
A teoria de então mostrou-se correta. E não só no que diz respeito à arrecadação tributária. O Brasil inteiro ganhou com aquele acordo. Dos 5% de crescimento do PIB no ano passado, 1% deve ser creditado ao acordo. Enquanto países produtores como a Alemanha e Japão reduziam sua produção de automotores, as montadoras experimentam um crescimento inédito: de 1,074 milhão de unidades em 92, para 1,390 milhão em 93, com variação de 29,4%.
Do ponto de vista dos trabalhadores, também ganhamos. Pela primeira vez, e depois de submetidos na última década a um violento confisco inflacionário, os trabalhadores do setor automotivo conquistaram uma política salarial própria, baseada no reajuste mensal automático de salários com 100% da inflação.
De forma que, entre a assinatura do acordo, em março de 92, até janeiro de 94, os trabalhadores das montadoras tiveram seu poder aquisitivo aumentado em 21,5%, segundo a subseção do Dieese. E não apenas por força dos 6,27% de aumento real, mas principalmente devido à nova sistemática mensal de correção automática dos salários. Foi uma conquista bastante significativa, estendida a todos os metalúrgicos do Estado, e com reflexo na economia.
Mas as consequências do acordo da Câmara são ainda mais abrangentes e estruturais. A produtividade do trabalhador nas montadoras saiu de 9,5 veículos/ano, em 88/89, e foi para 13,1, em 93. O patamar de 1,39 milhão de veículos produzidos coloca a indústria no seu limite de capacidade produtiva. Isto mostra que, em função do potencial do mercado, a indústria está hoje diante da necessidade inadiável de investir na ampliação da sua capacidade produtiva.
É fundamental que essas mudanças estruturais aconteçam para que nosso parque industrial não seja definitivamente sucateado diante de uma concorrência internacional cada dia mais predatória. Mas, para que realmente esses propósitos possam se tornar realidade, é preciso que as autoridades sejam coerentes em sua política tributária e em outras decisões que afetam o setor e que são urgentes.
Se o acordo está dando resultados positivos para as partes interessadas, beneficiando consumidores e produtores, reativando o parque industrial que estava em perigo iminente de ser sucateado e, ao mesmo tempo, alavancando a economia como um todo e aumentando a arrecadação, por que então alterar os termos tributários do acordo? Não seria correr sério risco de o tiro sair pela culatra com uma forte queda da arrecadação?
A continuidade do acordo tripartite (governo, empresários e trabalhadores) é fundamental para esse setor e de efeito demonstração para os demais setores da economia brasileira. Por isso o acordo deve ser melhorado e aprofundado e não inviabilizado pelos governos estaduais com a recuperação gradativa das alíquotas do ICMS. A previsão da indústria é que a medida vai significar um impacto em torno de 10% sobre os preços finais do automóvel e significativo impacto sobre o consumo.
Diante de todas estas evidências, fica para nós uma dúvida que precisa ser trazida à público: a quem pode interessar a falência e o sucateamento de nossa indústria? Os empresários ganharam com aumento da produção. Os governos arrecadaram mais. Os consumidores compraram mais carros e a preços relativamente menores. Os trabalhadores mantiveram seus empregos relativamente e recuperaram um pouco das perdas salariais.Então, a quem interessa o desmonte do acordo? E a sociedade? Vai continuar assistindo impassível a este espetáculo de irresponsabilidade onde alguns governadores colocam em risco um acordo que já entrou para a história da vida econômica e das relações trabalhistas neste país?
Esperamos que o Confaz reveja essa posição para o bem de todos. Há alternativas que podem ser estudadas. Alguns Estados, por exemplo, poderão individualmente manter as atuais alíquotas, prejudicando, no entanto, os consumidores dos demais. Nós não queremos que a solução seja essa.
O que queremos deixar claro é que não vamos ficar de braços cruzados. Nós temos nossas armas, e as usaremos se necessário for. Sinto que está chegando a hora de ficarmos atentos. Que fique claro que, em qualquer circunstância, defenderemos nossos interesses e os interesses do Brasil.

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