São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 1994
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Congresso loteia orçamento cultural

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Cultura se tornou um laboratório de curiosidades contábeis ao se submeter às emendas que deputados e senadores apresentam à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). No ano passado, se as emendas fossem cumpridas à risca, o Maranhão teria recebido, em subvenções, quatro vezes mais que São Paulo, o Pará valeria quatro vezes a Bahia e um pequeno centro cultural no Espírito Santo teria dragado, sozinho, sete vezes mais dinheiro que todos os projetos de Santa Catarina.
São dados de um demonstrativo detalhado da Secretaria de Informações, Estudos e Planejamento daquele ministério, ao qual a Folha teve acesso. A primeira conclusão que o documento permite é a de que, se for para levar em conta a contribuição da Câmara e do Senado, não haverá a mínima coerência nos gastos e, portanto, nenhuma política cultural.
Nem toda cultura é financiada pelo governo e nem toda verba pública tem como origem os cofres da União. Mesmo assim, vejamos. O ministério relacionou as 93 emendas apresentadas ao orçamento de 1993 e que totalizam US$ 5,7 milhões. As mais importantes foram as 49 da Fundação Nacional da Cultura (FNC). Mas, entre elas, só três tiveram suas verbas liberadas e totalizaram uma parcela ínfima dessa primeira quantia, ou US$ 322 mil.
Os demais projetos foram peneirados pela burocracia -destinavam-se a fundações ou prefeituras que não estavam com a documentação em ordem- ou então pelo próprio governo, que, diante dos escândalos revelados pela CPI do Orçamento, descredenciou em bloco todas as entidades, às vésperas da liberação do dinheiro.
Um detalhe técnico. Se o deputado ou senador tem aprovada uma emenda para a construção de uma estrada, a obra pode ser iniciada e depois o Ministério dos Transportes, se tiver recursos, corrigirá os custos das diversas etapas, de acordo com a inflação. As subvenções para a cultura não têm esse privilégio. O que importa é o valor nominal em cruzeiros da data da aprovação do Orçamento, ou, no caso, março de 1993.
Assim, os parlamentares superdimensionam as subvenções porque sabem que a inflação comerá uma boa parte delas. O governo, por sua vez, deixa para liberar a verba só no finzinho do ano, porque com isso "cumpre" as diretrizes do Congresso, e lhe sobra dinheiro para financiar os programas que seus próprios técnicos apontaram como prioritários.
Um detalhe jurídico: o Comitê de Entidades Culturais de São Paulo constata que as emendas não passam pelo crivo de nenhum órgão técnico ou colegiado, como a Comissão Nacional de Incentivos para a Cultura (CNIC), o que é ilegal. As emendas também trombam com a Lei 8.313/91 (Lei Rouanet) ao permitir que a subvenção contribua para o pagamento de pessoal. Mas a LDO também é lei e é ela que acaba prevalecendo, com todo seu fisiologismo embutido.

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