São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 1994
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Calcinha e caixinha

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Tudo bem que o pessoal tenha ficado ouriçado com o caso da modelo sem calcinhas sambando ao lado do presidente da República. Mas daí a pretender que seja caso de impeachment, só se pode explicar pelos eflúvios do Carnaval.
Menos aceitável ainda se torna o pedido quando vem de setores do empresariado. Boa parte dessa gente perdeu completamente autoridade moral para falar em dignidade do cargo (do presidente ou de quem quer que seja) depois de ter financiado a campanha de Fernando Collor de Mello. Quem financiou por baixo do pano e ilegalmente está desmoralizado por definição. Quem financiou legalmente, mesmo assim, está impedido de se manifestar agora. Envolveu-se, como Itamar Franco, com o personagem errado.
Pior ainda: não conheço um único empresário que, depois de colaborar com a quadrilha que assaltou os cofres públicos, tenha batido no peito de arrependimento, não ser, eventualmente, no chamado recesso do lar.
É possível que os empresários que agora pedem o impeachment de Itamar não tenham dado um centavo para a quadrilha PC/Collor. Ainda assim, não reagiram quando as denúncias de irregularidades já eram abundantes. E, se reagiram, não deram à sua indignação a mesma visibilidade que oferecem agora, no episódio da moça sem calcinha.
Ou vão querer enganar alguém e fazer crer que é mais grave sambar com uma modelo seminua do que assaltar os cofres do governo?
Esse tipo de farisaísmo é incomparavelmente mais grave do que o episódio do Sambódromo.
Basta lembrar que alguns dos empresários denunciados no caso PC alegaram, na Polícia Federal, que haviam sofrido chantagem do esquema PC. Muito bem. Por que não fizeram a denúncia antes de a investigação chegar ao ponto em que chegou? Ou chantagem não é motivo para indignação? Mesmo os que não foram "chantageados" tinham a elementar obrigação de saber como operava o esquema. Mas calaram-se.
Quem não exibiu indignação com a caixinha do presidente anterior não tem autoridade para indignar-se com a calcinha (ou ausência dela) do presidente atual. O resto é Carnaval fora de época.

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