São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Encontre tudo de segunda mão, por pouco

ROSA FREITAG
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em Londres há um grande comércio de artigos de segunda mão. Boa parte é proveniente de lojas de caridade, que funcionam como centros de arrecadação de fundos para as mais diversas causas. A Oxfam, que ajuda países do Terceiro Mundo, é a maior rede, com 800 lojas pelo Reino Unido. Para o apoio à pesquisa do câncer, há seis fundações. Entidades como as que lutam contra a cegueira, o autismo e a esclerose múltipla, além de comunidades étnicas diversas, também estão representadas.
Todo o estoque é proveniente de doações. Os balconistas são voluntários e dão um atendimento especial. Nas filiais dos bairros mais ricos, como Kensington e Hampstead, não é raro encontrar roupas de grifes conceituadas, como Jaeger, Giorgio Armani e Benetton, bem como amostras recém-chegadas de desfiles de moda. Um vestido de um estilista "in" ou um "tailleur" clássico custam no máximo US$ 40 (CR$ 20,9 mil). Peças do vestuário básico não ultrapassam US$ 10 (CR$ 5.230,00).
Em todas as lojas há seções de sapatos, livros, discos, utilidades domésticas e adereços. Nas vitrinas destacam-se os artigos mais valiosos, extravagantes e insólitos, como vestidos de noiva, "jukeboxes" e monociclos dos anos 30. A variedade de ofertas é peculiar aos costumes de cada localidade. Em cidades universitárias, como Cambridge e Oxford, há muitos móveis vindos de repúblicas estudantis que se desfazem quando os diplomados voltam para casa. Em Londres, dada a multiplicidade etnocultural, encontram-se "souvenirs" do mundo inteiro.
Uma rede de lojas especializadas na compra, venda e troca de objetos usados está se expandindo na região de Notting Hill Gate, na região oeste de Londres. Ao longo da avenida, há lojas de roupas e acessórios, computadores, máquinas de escritório, instrumentos musicais e equipamentos fotográficos, de áudio e de vídeo. Há lojas especializadas em discos recentes, outra com itens raros colecionáveis e de saldos, onde com bastante paciência (são milhares de discos sem critério de classificação) podem-se comprar LPs a US$ 0,30 (CR$ 156,00) e CDs a US$ 2 (CR$ 1.046,00).
O lema presente nos luminosos de todas as filiais, que são simplesmente denominadas Exchange (trocas), é "nothing refused" (nada é recusado). A negociação das compras e trocas foi organizada de maneira inteligente: cada loja tem um avaliador com experiência na área e revistas especializadas (outra mania inglesa) ajudam a fazer a cotação. Para qualquer objeto, em bom ou mau estado, funcionando ou não, são dados dois preços: um para a troca, que representa em média 60% do preço em que a mercadoria entrará à venda, e outro para a compra em dinheiro vivo, que é geralmente metade do valor da troca. Como exemplo, se você levar um CD do último álbum da Madonna, a oferta será de US$ 6 (CR$ 3.138,00) em dinheiro ou US$ 12 para troca. No dia seguinte, ele estará à venda por US$ 18 (CR$ 9.414,00).
Há detalhes interessantes no funcionamento desse esquema. Se você não quiser fazer a troca na hora, receberá simpáticos "vouchers", que parecem as notinhas do Banco Imobiliário e valem como dinheiro para as compras em qualquer filial no prazo de um ano. Você pode, portanto, trocar um computador obsoleto por uma "mountain bike" novinha e com o troco pegar alguns discos. Para quem for à Exchange querendo apenas comprar, a surpresa é que os preços são remarcados semanalmente... para baixo! As etiquetas de preço têm vários quadrados em branco e sucessivamente os preços são riscados e reduzidos. Deixe para amanhã o que você não pode comprar hoje.
Como você está na Inglaterra, não pense que a Exchange é uma Galeria Pagé. Toda mercadoria que entra tem o seu número de série ou características peculiares anotados e o vendedor deve apresentar identificação, endereço e assinar recibo. A polícia regularmente distribui listas de objetos roubados que os avaliadores sempre consultam com ar de investigadores.
Qualquer mercadoria tem garantia de sete dias contra defeito e o valor pago é devolvido em "vouchers", caso não haja algo similar para troca. Nesse paraíso da segunda mão, atitudes tipicamente brasileiras, como pechinchar ou chorar por uma melhor avaliação, são estritamente proibidas. Não insista, ou você será convidado a se retirar. Volte dentro de alguns dias, que o preço estará menor e compreenda que, na verdade, é um favor alguém comprar as suas bugigangas.

Texto Anterior: Guia mostra transportes na Grã-Bretanha
Próximo Texto: De balão sobre os vinhedos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.