São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Jirinovski redesenha o mapa da Europa

ROLF GAUFFIN
DO "EL PAÍS"

Ultranacionalista desenfreado, demagogo fascista, coveiro de democracia, ameaça à paz mundial. Todos os epítetos chovem sobre Vladimir Volfovitch Jirinovski quando ele semeia suas declarações provocadoras aos quatro ventos. Muitas pessoas querem considerá-lo demente. Mas é uma conclusão um tanto quanto apressada e simplificadora, levando-se em conta que, em dezembro passado, quando foram realizadas as eleições parlamentares na Rússia, um em cada quatro russos votou nele.
Sua promessa de "colocar de pé a Rússia que está de joelhos", de fazê-la recuperar seu lugar de superpotência e de devolver às Forças Armadas sua posição e prestígio, certamente contribuiu para o seu sucesso eleitoral.
Se Jirinovski alcançar seus objetivos, o mapa do mundo corre o risco de sofrer dramáticas transformações. Então, por que não pedir a Jirinovski que ele mesmo desenhe o mapa que "seu" futuro nos reservaria? Foi isto que nós, da revista geopolítica italiana "Limes", pensamos. A entrevista foi realizada nas últimas horas de 1993. Equipado com dois mapas-múndis, eu me apresentei em Moscou, na sede do Partido Liberal Democrático da Rússia, onde Jirinovski está instalado.
As paredes de seu escritório ostentam quatro retratos de velhos generais e almirantes tzaristas, que fulminam o visitante com seus olhares. Num canto da sala, há um mastro de bandeiras pré-revolucionárias. Vladimir Volfovitch me recebe sentado à sua escrivaninha.
Ele é um homem de porte médio, cabelos castanhos e olhos sombrios e penetrantes. Jirinovski nasceu há 47 anos, fazendo parte da minoria russa do Cazaquistão, região periférica do antigo império soviético, o que explica seu compromisso com os 25 mil
hões de russos que hoje vivem no "estrangeiro próximo", as ex-repúblicas soviéticas hoje independentes.
Quando tiro meus mapas, Jirinovski se anima e se põe a retraçar as fronteiras da Europa e da Ásia Central. Primeiro, são suprimidos os três países bálticos. Tudo volta para a Rússia, exceto um pequeno território em torno de Tallinn, capital da Estônia, e outro no centro da Lituânia.
E a Polônia? "Gdansk, Breslau e Stettin deveriam ser restituídas à Alemanha." Sobre o mapa, ele desenha uma nova fronteira atravessando a Polônia ocidental. A título de compensação, os poloneses receberiam uma parte da Ucrânia ocidental, em torno de Lvov. "Um presente da Rússia", diz Jirinovski. "Apesar disso, a Rússia branca, toda a Ucrânia oriental e Moldova são russas e precisam voltar a ser províncias russas."
A Alemanha desempenha um papel primordial na filosofia estratégica de Jirinovski. Ele sente pelos alemães uma espécie de "amor e ódio", e, apesar das ameaças de guerra nuclear contra eles, é com eles que deseja colaborar. Jirinovski profetiza o renascimento de uma nova Grande Alemanha. "A Áustria e a Eslovênia devem juntar-se à Alemanha, que desta maneira terá acesso ao Adriático. A República Tcheca terá que ser inteiramente absorvida pela Alemanha. E é possível que também devolvamos a ela, algum dia, Kõnigsberg e Kaliningrado..."
A seguir, Jirinovski assume ares de visionário: "Um dia, no futuro, a Grande Alemanha e a nova Rússia formarão uma aliança. E juntos neutralizaremos a Europa".
Os problemas balcânicos são resolvidos num piscar de olhos. Bósnia? Todas as tropas estrangeiras têm que abandonar o país imediatamente e deixar que os sérvios e croatas o repartam entre si. "Metade para cada um", é a sua receita. A seguir, Jirinovski desenha uma Grande Bulgária que abrangeria as duas Macedônias, a grega e a eslava. A Romênia, "que não é um país, mas um espaço onde vivem os ciganos italianos", é despedaçada: a Transilvânia é restituída à Hungria e Dobrogea à Bulgária.
Os povos transcaucasianos não se incluem entre seus favoritos. Os "morenos", como ele os chama, cometem –segundo Jirinovski– mais crimes na Rússia que todos os outros juntos. "Toda a Transcaucásia é um covil de bandidos e vigaristas sem nenhum interesse para a Rússia." Ele traça uma linha ao longo da fronteira russa na Caucásia. "Aqui haverá uma guerra de todos contra todos", diz ele.
E a mesma sorte está reservada aos povos da Ásia Central: os uzbeques, os tadjiques, os cazaques etc. se matarão entre si.
"Será um inferno como no Líbano. Depois de 30 ou 40 anos, eles vão implorar que os reintegremos e restabeleçamos a ordem em sua casa. Nós o faremos unicamente se o mundo pedir e se as organizações internacionais pagarem a conta." Jirinovski volta ao mapa. "Cedo ou tarde, as repúblicas centro-asiáticas se reintegrarão à Rússia: Cazaquistão, Quirguistão, dois terços do Uzbequistão, Turcomenistão... os afegãos e os iranianos repartirão as sobras entre eles."
A grande aliada na Ásia será a Índia, que terá de incorporar-se ao pacto russo-alemão. Unindo-se, estas três potências, que somam juntas 1,5 bilhão de habitantes, poderão "neutralizar" a China. "Não", Jirinovski esclarece, "não se trata de guerra, mas simplesmente de colaboração política".
Jirinovski se posiciona diante do emblema do partido, um mapa estilizado do Império Russo, incluindo a Finlândia e o Alasca, coroado por uma águia que segura no bico uma bandeirola com a divisa do partido: "Liberdade e lei".
"Liberdade e lei, e Rússia!", diz Vladimir Volfovitch, colocando sua caneta sobre o Alasca.

Tradução de Clara Allain

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