São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 1994
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Frido Mann narra saga no Brasil

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Está virando moda? Frido Mann, 53, neto de Thomas Mann, sobrinho-neto de Heinrich Mann e bisneto de Julia Silva-Bruhns Mann, chega no próximo domingo ao Brasil. Vem para divulgar o livro "Correspondência e Esboços Literários", que reúne cartas de Julia para Heinrich Mann e outros textos dela e será lançado em março pela editora Ars Poetica. Participa de mesas-redondas (veja programação ao lado). Mas tem outro e maior interesse.
Frido Mann vai passar mais de um mês no país porque pretende situar boa parte de seu próximo romance aqui. Escritor e psicólogo, com três romances publicados, jamais veio ao país-tema do último livro do escritor americano John Updike e da próxima Feira de Frankfurt. Decidiu usar o Brasil em seu quarto livro por influência da própria história de sua família: Julia Mann nasceu aqui. Diz que o romance é uma saga familiar, de uma família que não é exatamente a sua, "mas com algumas semelhanças" com a trágica história dos Mann (leia texto ao lado). Na entrevista a seguir, Frido Mann, que conversou com exclusividade com a Folha por telefone de Munster (Alemanha), fala sobre o projeto do livro, sua viagem e seus célebres antepassados.
*
Folha - Além do lançamento do livro, que motivo traz o sr. para o Brasil?
Frido Mann - O motivo é o livro que quero escrever. É uma saga familiar, que em sua maior parte é ficcional, e não exatamente biográfica. Claro que é muito importante que eu conheça o país onde parte dessa saga vai se passar. Essa é a principal razão por que vou conhecer o Brasil, para conhecer as raízes de minha bisavó.
Folha - A família é a família Mann?
Mann - É uma família que tem algumas semelhanças com a família Mann, mas o livro é de ficção, e seu assunto é a identidade nacional. Pretendo discutir a idéia de identidade nacional através dessa família.
Folha - Qual parte do livro se passa no Brasil?
Mann - O começo se passa no Brasil, e talvez o final também.
Folha - E o sr. pretende usar textos de Julia Mann sobre o Brasil para escrever o livro?
Mann - Muito pouco. Mas só vou saber o que usar depois de visitar o país, depois de visitar Parati, depois de ver como funcionam os engenhos de açúcar.
Folha - O sr. já conhece o Brasil?
Mann - Não, não. Li muitos livros sobre ele, mas nunca o visitei. Você sabe que Thomas Mann quis muito conhecer o Brasil numa época, durante seu exílio na Califórnia? Ele tinha muita curiosidade, mas não conseguiu ir.
Folha - E o que o sr. planeja visitar aqui, além de Rio e São Paulo?
Mann - Devo também conhecer Manaus, o Amazonas, o Norte em geral. Devo também ir à fronteira Brasil-Argentina, visitar as quedas d'água. Não sei se vai dar tempo, mas vou ficar até 6 de abril aí.
Folha - O sr. sabe que John Updike publicou recentemente um romance sobre o Brasil?
Mann - Sei, mas não o li ainda.
Folha - Thomas Mann morreu quando o sr. tinha 15 anos. O sr. se lembra bem dele?
Mann - Claro. Desde meus cinco até meus 15 anos vivi um tempo a cada ano com Thomas Mann, na mesma casa, em férias na Califórnia, na Suíça. Ficava muito com ele.
Folha - E o sr. se lembra dele como bom homem, bom avô?
MannSim, um bom avô. Sempre ouvi dizer que ele não era um pai muito apreciado pelos filhos, mas tive uma experiência muito diferente. Ele gostava de mim, eu dele, e se você ler o diário dele vai ver que ele gostava de mim não só quando eu era pequeno, mas também quando eu já tinha 12, 13 anos. Ele escreveu muito positivamente sobre mim. Quando li seu diário, fiquei muito contente.
Folha - Julia Mann foi responsável pela educação artística de seus filhos. O sr. acha que ela teria sido uma boa escritora?
Mann - Os textos dela, que estão no livro, não são muito literatura. São cheios de sentimento, muito floreados, acho. Ela não tinha caráter de escritor, mas são textos interessantes de ler, porque mudam da América do Sul para a Inglaterra e o norte da Europa, onde ela demorou a se acostumar a viver.
Folha - As cartas entre ela e Heinrich têm diversas referências literárias. O sr. sofreu influência dos gostos artísticos da família Mann?
Mann - Sim, principalmente o gosto pela música. Meu pai era músico, eu estudei música. Foi um gosto que veio passando de geração para geração.
Folha - Dizem que Julia Mann preferia Thomas a Heinrich. É verdade?
Mann - É sim. Isso está no livro de Marianne Krll ("Die Familie Mann - In Netz der Zauberer", "A Família Mann - Na Rede dos Magos", editora Arche Verlag, Frankfurt). Não sei dizer ao certo, mais imagino que seja verdade.
Folha - Na discussão que separou Thomas e Heinrich por um tempo, porque Heinrich era a favor da democracia, com quem Julia Mann concordava?
Mann - Li que ela era muito nacionalista, a favor da Alemanha. Ela criticava Heinrich porque ele atacava muito a política alemã. Estava do lado de Thomas, que em seus anos de juventude foi bastante nacionalista.
Folha - Dois anos atrás começou uma discussão sobre a sexualidade de Thomas Mann e a eventual presença disso em seu trabalho. Qual sua opinião?
Mann - Não sei se Thomas era homossexual ou não. Para mim, isso não é importante.
Folha - Que escritor o sr. prefere: Heinrich ou Thomas Mann?
Mann - Me sinto muito mais atraído pelo trabalho de Heinrich. Ele me influenciou mais, gosto mais do seu estilo. O livro de Heinrich que prefiro é "Henrique 4º". É um livro que aponta para um grande futuro.
Folha - Carregar o nome Mann é um fardo?
Mann - Sim, sem dúvida. É uma luta da vida inteira. Até hoje não consegui me livrar totalmente dese peso. Sinto que essa sempre será uma sombra no meu trabalho.

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