São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sens Unik mostra todo o valor do rap suíço

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

É difícil acreditar, mas além de queijos, relógios e chocolates, a Suíça também produz rap. E dos bons. Com a mesma qualidade que produz seus ementhals, swatchs e lindts, de cerca de cinco anos para cá, o país vem colocando no mercado grupos que refletem a complexidade de sua formação demográfica. Em seus grupos entram árabes, franceses, espanhóis, senegaleses e nativos. O mais importante deles é o Sens Unik. Dono de um rap hardcore recheado de humor, o grupo tem dois trabalhos gravados ("Le 6.ème Sens" e "Les Portes du Temps") e uma participação na coletânea "Les Cool Sessions", de Jimmy Jay, o DJ de MC Solaar. Carlos, seu rapper principal, falou à Folha sobre os problemas da Suíça, música latina, drogas, televisão e homossexualismo.
Folha - O rap é basicamente uma música de contestação, contra injustiças sociais, mas quais são as injustiças sociais na Suiça, um país que aos estrangeiros parece muito desenvolvido?
Carlos - Realmente a Suíça tem esta imagem bonita. É assim. A Suíça é muito boa para dar esta imagem falsa. Temos muitos problemas. Já conhecemos a crise econômica, como todos os outros países europeus e do mundo. Politicamente, reina uma grande hipocrisia por aqui. Temos escândalos relacionados à lavagem do dinheiro sujo proveniente de países como o Brasil e toda a América do Sul. Temos o segredo bancário que permite que qualquer um chegue aqui e coloque dinheiro no banco sem ser questionado sobre sua procedência. A grande parte do dinheiro suíço é dinheiro sujo, proveniente da droga. Um monte de coisas acontecem aqui, mas são muito bem camufladas. Mas atenção, o rap trata dos problemas sociais, mas não é exclusivamente isso. O rap é também uma música para ser escutada com alegria, que não fala apenas de problemas. Trabalhamos com temas simpáticos e engraçados também. Somos muito ecléticos. Somos muito abertos a temas diferentes.
Folha - Quais os temas trabalhados em suas canções?
Carlos - Temos uma canção sobre a heroína, que é um grande problema na Suíça, pois é uma droga barata aqui e que atinge muitos jovens. A canção "Le 6.ème Sens" fala de nós mesmos e de nossa filosofia. Todas as nossas canções são também contos, meio místicos e meio reais.
Folha - A droga é um problema para vocês?
Carlos - Para nós, a droga é um flagelo gigantesco e na minha opinião é o problema mais grave do planeta, porque mobiliza muito dinheiro, muita gente, cria muitos conflitos... Eu falo de drogas pesadas. Não considero maconha e haxixe drogas duras. Essas nem são drogas. Já as drogas pesadas, são como uma sombra no planeta.
Folha - Vocês já fizeram uma canção sobre a televisão. O que vocês pensam dela?
Carlos - No meu ponto de vista, a televisão é uma invenção espetacular, mas que é mal utilizada. Se fosse bem utulizada, poderia ser um objeto de cultura e educação valioso. Mas só com objetivos monetários, é uma pena. Mas se recebe o que se pede e eu acho que as pessoas não estão querendo ser educadas. Preferem ser burras.
Folha - A música latina influencia vocês?
Carlos - Certamente. Estamos inclusive nos preparando para fazer algumas coisas com música latina em espanhol, mas música tropical. No próximo disco tem muitos samplers desse tipo. Depois deste próximo CD, temos ainda planos de fazer um EP latino que se chamará "Latin Experience". Não sei porque o rap não se desenvolveu na Espanha?
Folha - A cultura rap é sempre relacionada ao heterossexualismo. O que vocês pensam do homossexualismo?
Carlos - O homossexualismo não me incomoda nem a qualquer um do grupo, desde que não ultrapasse as fronteiras do excesso, do exibicionismo. Os homossexuais, masculinos ou femininos, não me incomodam, mas os exibicionistas sim. A provocação me incomoda.
Folha - Você ainda quer falar alguma coisa?
Carlos - Sim. Existe uma coisa que é importante para nós. Formamos no final de 1992 um selo que se chama Unik Records. Através dele lançamos nosso primeiro CD e depois o CD do grupo Silent Majority. Acabamos de produzir ainda um EP com o rapper parisiense Fabe. Eu acho que com este selo independente poderemos elevar a cultura rap ao máximo possível.
Folha - Tanto o grupo IAM quanto o Alliance Ethnique tiveram problemas com majors. Porque você acha que isso aconteceu?
Carlos - As majors têm que parar de pensar que são bancos. Eles dão o dinheiro, mas querem recuperá-lo de qualquer geito. Eles não tem sentimentos. As majors tem um lado bom porque podem criar campanhas de marketing gigantescas, mas também podem matar um grupo. Este é o caso do Alliance Ethnique. Todos conheciam o Alliance e esperavam o disco e infelizmente tiveram problemas com a Delabel, que durante uma época, só deu atenção ao IAM, e deixou-os de lado. O fato de ter um selo vai nos permitir de controlar nosso trabalho, enquanto que as majors, elas podem muito bem matar a cultura hip hop.

Texto Anterior: Derek Jarman evita clichês da Aids em "Blue'
Próximo Texto: Ritmo tem suas mulheres
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.