São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 1994
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FHC, IPMF e cadeia

GERALDO FACÓ VIDIGAL

O governo federal entulha a Justiça lutando para atrasar, ou não restituir, empréstimos compulsórios sobre veículos; viagens; combustíveis (os quais deve!) e só nos tribunais restitui seja o que for que tenha recebido indevidamente. O mesmo governo, quando recebe ordem judicial, só paga mais de um ano e meio depois, e sem correção monetária, procrastinando ações já ganhas, com maior sobrecarga sobre o Judiciário.
É o mesmo governo que exige escorchar povo, emprego e produção aumentando impostos. Mas será o mesmo governo o que agora diz ter vedadeiros faniquitos para devolver depressa o IPMF que recebeu inconstitucionalmente? Por que quer receber as informações para devolver este, e somente este, tributo? O que há de tão diferente neste imposto para transformar os urros do leão em suaves beijos de fada-madrinha?
Aos que já não acreditam em contos de fadas, sugerimos: no dia em que o governo souber o quanto precisa devolver a cada um, saberá exatamente quanto cada brasileiro movimentou, no mesmo período do IPMF.
A Constituição e as leis proíbem a devassa, a violação da intimidade e a quebra imotivada dos sigilos de dados e bancários, mas a Receita tem o poder legal de quebrar o sigilo bancário de qualquer pessoa, desde que tenha motivos para tanto. Mais: a Receita usa, largamente, desse poder. Em 1993, obteve dos bancos a quebra do sigilo bancário de perto de um milhão de pessoas. Então, qual razão leva a Receita a desejar um tal poder obscuro que lhe permitiria devassar a vida de todos, sem que ninguém saiba?
Nas democracias o princípio da publicidade do ato administrativo é regra geral. Mas o poder geral de devassa, como o crime, esconde-se também nas sombras, permitindo agredir, mesmo inveridicamente, somente os inimigos. Imagine-se tal poder nas mãos de alguém num ano de eleições. A devassa é o poder pusilânime de investigar às escondidas aqueles a quem não se têm coragem de investigar às claras.
Ainda mais dramático: a lei considera crime a quebra do sigilo. Assim, é natural que os bancos se recusem a dar à Receita dados que ilegalmente pretende obter. A lei, entretanto, permite ao Banco Central obter esses dados –mais, exige dele o mesmo sigilo.
O Banco Central, então, requereu oficialmente dos bancos tais dados e, tendo-os recebido, aguardaria parecer da Advocacia Geral da União, sobre a legalidade ou não de entregar os dados à Receita.
Pois bem, com base num "parecer" da Procuradoria da Fazenda Nacional, que nada mais é do que a defensora intransigente dos interesses da Receita, o ministro Fernando Henrique entendeu que a Receita deve buscar esses dados diretamente com os bancos e não com o Banco Central –autarquia governamenal sob seu controle direto que já possui esses dados. E com isso determinou que terceiros cometam atos ilegais. Será que o ministro sabe disso?
Sugiro ponderar, não ao ministro, mas ao antigo professor, que ele poderia estar, pessoalmente, incorrendo em crime. Não afirmo que esteja, nem o acuso. Apenas peço que pondere: seria, ou não, crime exigir, por meios além do suportável e agravados pela ameaça de processo penal à vítima, com potencial perda de liberdade, que venha ela a fornecer dados, ilegalmente, à Receita? Custa crer que o ministro apóie tal poder obscuro, que certamente rechaçaria ao tempo em que ele próprio era perseguido e devassado.

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