São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 1994
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Cidade Muda fala a língua do paradoxo

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Peça: Alice
Direção: Marco Antonio Lima e Maria Mirtes Mesquita
Elenco: Casé Campos, Luciana Botelho, Lúcia Romano e outros
Onde: Teatro Ruth Escobar, sala Dina Sfat (r. dos Ingleses, 209, Bela Vista, região central, tel. 251-4881)
Quando: De quinta a sábado às 21h, domingo às 20h, até 27 de março
Quanto: CR$ 2.400 e CR$ 1.200 (meia entrada)

"Alice", o espetáculo que estréia hoje às 21h no teatro Ruth Escobar, é o primeiro projeto do grupo Cidade Muda com atores em vez de bonecos. O grupo, criado em 83 com a peça "Cidade Muda", se consagrou com "Crack", em 1989, na Bienal de São Paulo. "Alice", baseado em Lewis Caroll, é também o primeiro espetáculo falado do grupo.
"A passagem dos bonecos para os atores aconteceu naturalmente. Há várias cenas que para nós se assemelham muito às com bonecos", diz Marco Antonio Lima, responsável pela concepção do trabalho e co-diretor da peça ao lado de Maria Mirtes Mesquita. Ambos coordenaram vários cursos (ator, iluminação, cenário etc.) na Oficina Cultural Oswald de Andrade, de onde vieram tanto os atores como a equipe técnica.
A direção e o privilégio dado aos figurinos e adereços faz dos atores quase-bonecos. E essa vontade de tratar os atores como elementos de cena evita certos vícios de interpretação muito comuns no teatro brasileiro, embora por vezes predomine um tom colegial um pouco afetado pelos adereços. "A gente está procurando um tipo de interpretação que se diferencie do cotidiano", diz Mesquita.
A opção pelo texto de Lewis Caroll não é gratuita. "A lógica de Lewis Caroll era muito próxima da lógica com que trabalhávamos", diz Mesquita, que anuncia ter "41 anos, seis meses, 20 dias e 17 horas", dentro de uma formulação tipicamente carolliana, quando lhe perguntam a idade. "Nossos espetáculos anteriores eram formados por esquetes mudos. Uma cena não tinha muita conexão com a outra. 'Alice' era muito próximo disso. No livro, uma cena também não tem muita conexão com a outra", diz Lima, 30.
A adaptação que decidiram fazer de "Alice no País das Maravilhas" e "Alice através do Espelho" enfatiza o lado da lógica de Lewis Caroll, o prazer que o escritor tinha com paradoxos e os limites do sentido em vez de uma continuidade narrativa. Há uma espécie de exercício de estilização em que o enredo conhecido por qualquer um é esquematizado em cenas e diálogos que exploram os paradoxos e os absurdos da linguagem. Parece natural que um grupo que vinha trabalhando em cenas mudas tenha descoberto a fala precisamente pelo que pode haver de mais paradoxal na linguagem.
"Transformar o texto em imagens seria um erro, por toda a dimensão literária que estaríamos deixando de lado. A gente já trabalhava com o nonsense. Essa coisa da Alice ser uma estrangeira nesse mundo. Tínhamos personagens assim nos outros espetáculos. Na verdade, era a platéia que ocupava o lugar da Alice nos trabalhos anteriores. Agora nós a colocamos no palco", diz Lima. (Bernardo Carvalho)

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