São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 1994
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Se hoje é assim...

Os poetas nunca erram. "Pelas notícias de ontem, o jornal de hoje faz temer as de amanhã", escreveu Carlos Drummond de Andrade em "O Avesso das Coisas". A frase é especialmente verdadeira se aplicada ao noticiário relativo ao PT.
Com efeito, o PT vive hoje um esquizofrênico processo de perda de contato vital com a realidade. E tal fato adquire proporções ainda mais graves quando se considera que esta agremiação reúne o maior número de intenções de voto para a Presidência da República.
Cumpre, portanto, investigar as causas dessa deletéria perda de identidade. E a principal delas é, sem dúvida, a profunda divisão dentro do partido. O PT formou-se, no final dos anos 70, a partir do movimento sindical, das comunidades de base ligadas à Igreja Católica e de grupos de esquerda não-stalinistas. As duas primeiras correntes souberam, em maior ou menor grau, acompanhar os tempos e evoluíram. A terceira não.
Ocorre porém que os membros dos grupelhos jurássicos têm uma notável capacidade de ocupar espaços na máquina do partido, tanto que acabaram dominando a Executiva, passando a deter um poder que não corresponde à escassa penetração que têm junto às bases da agremiação. Não foi outro o diagnóstico a que chegaram intelectuais simpáticos ao PT que devem lançar manifesto pelo resgate do que chamam de "cultura petista".
A divisão e o desequilíbrio são tão profundos que por muito pouco não houve um racha entre a bancada e a Executiva, que, numa decisão tão tola quanto balda, proibiu seus parlamentares de participar da revisão constitucional. Os congressistas acabaram optando pelo princípio da fidelidade partidária, o que é bastante louvável, em que pese a extrema inoportunidade da decisão da Executiva.
Caso Lula vença as eleições e a balança de poder dentro do partido não seja alterada, manchetes do tipo "Executiva proíbe presidente de atacar privilégios das estatais" poderão tornar-se corriqueiras. Ou seja, o país estará condenado a fazer uma fantástica viagem através do tempo. Só que para trás.

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