São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 1994
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Governo Fleury cria museus sem acervo

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo Fleury tornou-se subitamente iluminista. Vai inaugurar dois museus até abril, quer aprontar um terceiro até o final do ano e reforma outros dois. Os investimentos chegam a US$ 7 milhões. Ou quase um terço dos US$ 20 milhões destinados à Secretaria Estadual da Cultura neste ano. Ou mais do que o governo investiu em museus nos três anos anteriores, em que não havia eleição.
Os novos são: 1) Museu da Imigração no parque Ibirapuera, na antiga sede da prefeitura; 2) Paço das Artes na USP; e 3) Museu da Ciência e da Indústria, em local ainda em negociação. As reformas atingem o terceiro andar da Pinacoteca e o segundo andar do MIS.
São museus tocados a toque de caixa. O Paço das Artes, que não é museu e funciona como uma galeria de arte do Estado, consumirá 130 dias para ficar pronto se o cronograma for cumprido. Saiu em dezembro a decisão de que deixaria o Museu da Imagem e do Som e passaria a ocupar parte do prédio projetado por Jorge Wilheim na USP e abandonado há 19 anos. O Museu da Imigração será levantado em 11 meses, segundo o cronograma. Para se ter uma idéia da pressa, a construção do Museu da Imigração de Nova York consumiu cinco anos.
O Museu da Ciência e da Indústria não tem nem projeto nem local definidos, mas está previsto para abrir no próximo semestre.
O boi na frente
Em qualquer lugar do mundo, só se abre um museu quando se acumula ou se compra algum acervo. No Brasil, por oportunismo político ou ignorância, esse axioma da museologia é frequentemente invertido: funda-se um museu e depois corre-se atrás do acervo. É por isso que só a cidade de São Paulo tem 63 coleções reunidas sob o nome de museu, seis deles do próprio Estado, e não mais do que cinco museus dignos do nome.
É essa caveira de burro que persegue os novos projetos da Secretaria de Cultura. O Museu da Imigração, previsto para ser aberto em dois meses ao custo de US$ 3,5 milhões, ainda está coletando peças –tem 900, mas ainda não se sabe quais merecem ser expostas. Pretende trabalhar com o conceito de "acervo virtual" –mapeia-se as peças espalhadas pela cidade e, conforme a necessidade, elas são requisitadas. O Museu da Ciência e da Indústria –um projeto em conjunto com a USP, Unicamp, Unesp, Fiesp, Fapesp e Secretaria de Ciência e Tecnologia– tem acervo zero.
"Temos que começar do fim para o começo porque as pessoas não guardam as coisas se você não tiver o museu funcionando", diz Ricardo Ohtake, 51, secretário de Cultura do governo Fleury.
A inversão do método não expõe os projetos ao risco de se tornarem museus fantasmas, sem público e sem acervo, segundo Ohtake. "Podemos fazer isso porque não são museus de arte. Os museus da Imigração e o de Ciência e da Indústria são baseados na história da vida privada e o homem comum pode contribuir muito".
Regras do jogo
Dentro da própria Secretaria Estadual de Cultura há quem diga que a proximidade das eleições e a possibilidade de o governador Luiz Antonio Fleury Filho lançar-se candidato a algum cargo aceleraram os projetos.
"O fato de ser um ano eleitoral ajuda e faz parte do jogo. Temos que aproveitar o jogo do jeito que ele é", diz Sara Goldman, 52, diretora do Paço das Artes. Há seis anos ela tenta conseguir uma sede própria para o Paço, que desde 1970 ocupa de favores algum prédio do Estado e em 1975 ganhou o terceiro andar do MIS. Conseguiu em dezembro último.
Ricardo Ohtake diz que é uma coincidência temporal que os museus sejam inaugurados em ano de eleição. "Não fizemos antes por falta de tempo, porque tivemos que organizar a casa. E museu não dá voto. Só pega gente com opinião definida".

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