São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 1994
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Escultor fala da corporeidade de sua obra

CARLOS UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em entrevista à Folha, José Resende, um dos maiores escultores do país, desvenda pontos de sua obra e fala sobre polêmicas da arte contemporânea.
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Folha – Você pensou o trabalho especialmene para a Poli?
Resende – Quando foi feito o convite, unindo arte e tecnologia, eu fiquei mais ou menos sensibilizado porque é uma dominância no meu trabalho mexer com materiais e fazê-los sofrer deformações a partir de ações que os façam atingir os limites da sua resistência. E quando fui convidado pensei em mostrar explicitamente isso. Tentei produzir em relação ao centenário da Politécnica não uma alegoria, mas algo que fosse claramente visível da relação entre cálculo e projeto, cálculo e esforços. A obra é quase uma curva da deformação própria do material a partir de uma deformação muito visível.
Folha – Alguns põem a "Vênus" entre parênteses na sua produção, mas você a expôs na Documenta. Ela é importante porque sintetiza a relação entre uma poética mais genérica e o trabalho concreto com o material?
Resende – Sim. Descrevendo a "Vênus", ela também é uma chapa que, cortada e dobrada, adquire uma tensão –quase como o funcionamento de uma mola. Ganha-se, com isso, a verticalidade. É uma peça que tem uma horizontalidade grande, mas que tem a tradição monumental da escultura de almejar a verticalidade. A idéia de colocar um contorno de mulher foi um comentário jocoso à agilidade, à graça da estrutura.
Folha – Penso na poética e no caráter antropomórfico. Para além do jocoso, sua obra não é marcada pelo corpo-a-corpo com a matéria, num enfrentamento que valoriza a resistência tátil e dá ao trabalho uma dimensão antropomórfica em desafio à fria especulação física?
Resende – Em alguns trabalhos a relação tátil é mais evidente porque eles são executados numa escala do corpo. O que se poderia ampliar como conceito dessa aparência evidente da manipulação é a veracidade do gesto feito. Aqui, embora seja uma escala monumental, é evidente que este cabo torce e levanta mesmo esta chapa. Essa fisicidade é que dá o caráter de concretude do trabalho. A figuração que o trabalho coloca está colocada ao processo de fatura, feita com ou sem a mão.
Folha – Por caráter antropomórfico refiro-me não à figura, mas ao caráter de esforço humano, e até de perigo quanto ao corpo, a uma pessoa que se aproxima do trabalho. Ele imanta o espaço até através desse perigo físico. Ou seja, há um embate entre corpo e obra.
Resende – Esta é a tensão que o trabalho de fato produz e persegue. Essa corporeidade que é emprestada também ao trabalho cria uma relação corpórea entre espectador e obra como dois corpos que se comunicam. A tatilidade nega um pouco o pensamento abstrato que a física induziria.
Folha – O mau casamento entre tecnologia e arte não ameaça o residual "artístico" que torna as obras intervenções culturais duradouras?
Resende – Essa junção nunca funciona se ela for temática. Só dá certo se a razão que desencadeia o trabalho de arte partir da arte, e daí indagar sobre o uso da tecnologia. O cruzamento, desde que produtivo, e não fundante, só pode ser um estímulo. O meio utilizado nunca é suficiente para justificar a expressão. E muito menos para a produção da linguagem no sentido dela constituir uma história própia. O que se pode questionar numa arte feita com laser ou com xerox é que, embora utilizando esses meios, ela vai ter de se reproduzir apesar deles.

Evento: inauguração das esculturas de José Resende e Denise Milan
Onde: Escola Politécnica (prédios da Engenharia Civil e Engenharia Elétrica), Cidade Universitária
Quando: segunda, 28 de fevereiro, às 10 hs

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