São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 1994
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Você confia nos médicos?

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Estava decidido a escrever hoje sobre detalhes do plano econômico. Não resisto, porém, à tentação de comentar um assunto que está apaixonando Brasília e passa longe da Esplanada dos Ministérios. Localiza-se numa clínica ginecológica, estimulando o debate sobre impunidade.
Há quatro anos, uma jovem deu queixa na polícia de Brasília, acusando o badalado ginecologista Vasco Rodrigues da Cunha de abuso sexual. Nada aconteceu. Pior: sumiram com o inquérito. Nova queixa no começo de 1993, desta vez por roubalheira contra uma paciente, foi apresentada no Conselho Regional de Medicina. Nenhum efeito prático.
Só agora, graças à Delegacia da Mulher, o escândalo veio à tona e transbordam testemunhas, com incríveis revelações. O ponto é o seguinte: fala-se muito dos políticos. São acusados de larápios para baixo. Mas será que nossos políticos são muito piores do que os médicos?
Apesar de vítimas de desleixo ou erro, qual a percentagem de pacientes, mesmo de bom nível educacional, que já reclamaram no CRM? Quantos foram cassados ou punidos? Aliás, fizéssemos uma pesquisa de opinião, veríamos que uma ínfima minoria não saberia sequer da existência de um fórum para analisar e punir erros médicos.
Não estou querendo aqui fazer acusações generalizadas aos médicos. Até porque todos conhecemos e muitos devem sua vida a excelentes e dedicados profissionais. Sou estimulado, porém, a levantar a suspeita de que uma taxa de impunidade é assegurada pelo corporativismo –uma praga também da administração pública.
Bobagem, portanto, esse clima de histeria nacional contra os políticos. Será que os os jornalistas, publicitários, advogados, engenheiros ou arquitetos teriam a coragem de se apresentar como símbolos intocáveis da transparência nacional?
Vou além: por serem fiscalizados diariamente pela imprensa, os políticos são mais transparentes do que as outras categorias da sociedade. Arrisco dizer que, fosse dada a mesma atenção e fiscalização a médicos, por exemplo, muita gente ia se sentir preocupada em andar de branco nas ruas.

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