São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Itamar intervém na área salarial

CLÓVIS ROSSI; VIVALDO DE SOUZA; RUDOLFO LAGO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

VIVALDO DE SOUZA
O presidente Itamar Franco antecipou sua volta do Rio Grande do Sul para Brasília, para poder presidir uma minireunião ministerial, prevista para a tarde de ontem e destinada a encontrar solução para uma crise no Ministério em torno da conversão dos salários à Unidade Real de Valor (URV).
A primeira intervenção do presidente ocorrera pouco depois da meia-noite de ontem, quando ligou de Caxias do Sul (RS), onde visitou a Festa da Uva, para o ministro Barelli, com uma orientação estrita: os salários não podem sofrer perdas com a URV. O presidente foi além: disse que Barelli deveria ser o "guardião" dos salários. Itamar voltou a ligar para Barelli por volta das 8h de ontem. A ordem: "Não feche nenhuma decisão antes de eu chegar", referindo-se à reunião convocada.
Horas depois, ao embarcar no Rio Grande do Sul, no entanto, o presidente disse aos jornalistas que o ministro Fernando Henrique Cardoso tinha "carta branca" para operar o plano. A afirmação colide, na prática, com a decisão de convocar a minireunião ministerial destinada a definir a questão dos salários.
Interferência
A interferência do presidente tornou ainda mais confusa a antevéspera do anúncio oficial da URV, a ser feito na segunda-feira pela manhã, embora o texto tido como final da Medida Provisória esteja pronto desde sexta-feira e tenha que chegar ao Diário Oficial da União ainda hoje.
A crise em torno dos salários era maior no que se refere aos vencimentos do funcionalismo público, civil e militar. Na sexta-feira, Barelli fora chamado para uma reunião com os três ministros militares e com Romildo Canhim para discutir a questão. Canhim apresentou estudos demonstrando que o salário do funcionalismo sofreria uma erosão de 7% em seu poder de compra se mantido o esquema originalmente anunciado pela Fazenda.
Um documento oficial da própria Fazenda, de autoria de seu secretário-executivo, Clóvis Carvalho, também admite perdas, embora levemente menores (6%). Para os salários do setor privado, os estudos do Ministério do Trabalho indicam perdas apenas para o grupo C. Os três outros grupos nem ganhariam nem perderiam.
Ontem, a Fazenda aceitou mudar alguns pontos já decididos, como a data do mês a partir da qual seriam calculados os salários para a conversão à URV. Em vez do dia 1º de cada mês, vai-se tomar o último dia, o que, em princípio, resolve parte do problema do funcionalismo.
A decisão de FHC de aceitar algumas mudanças reduziu as distâncias entre as posições da Fazenda e de Barelli, "mas reduziu menos do que a Fazenda vem dizendo", conforme apurou a Folha junto ao Ministério do Trabalho.
O problema é que Barelli só acha aceitável o que chama de "tratamento equitativo", referindo-se a preços e salários. "Você não pode fazer um plano acreditando nesse mercado em que os juros são jogados na estratosfera e mesmo assim, o pessoal reage aumentando brutalmente os preços", tem dito o ministro a seus assessores.
Comprometimento
O telefonema de Itamar a Barelli reforça, também, as reticências do presidente em relação ao conjunto do plano. São tantas que Itamar decidiu não fazer qualquer pronunciamento ao país, contrariando a praxe de planos econômicos anteriores.
Conforme versão obtida pela Folha junto ao Planalto, o presidente quer evitar um comprometimento direto com um plano que não é exatamente o que gostaria de ver introduzido. A frase sobre a "carta branca" joga toda a responsabilidade pela política econômica sobre o ministro da Fazenda. Mas o chefe de governo não tem alternativas a defender, o que o leva a apenas arbitrar as divergências entre seus ministros.

Colaborou Rudolfo Lago, da Sucursal de Brasília
Leia mais sobre salários à pág. 1-12

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