São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Associação de cientistas quer manter EUA em 1º

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Associação de cientistas quer manter EUA em 1.º
O geneticista Francisco Ayala, novo presidente da AAAS, defende 'ciência hemisférica'
O espanhol naturalizado americano Francisco Ayala tornou-se no último dia 24 o novo presidente da maior organização de cientistas do planeta, a AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência). Sinal dos tempos: é geneticista, e não é americano nato. Sua origem ibérica e seus contatos com pesquisadores latino-americanos o tornam um interlocutor privilegiado para os cientistas ao sul do rio Grande, como os do Brasil.
Ayala gostaria que a AAAS fosse uma associação para o avanço da ciência no "hemisfério ocidental", e diz que os latino-americanos têm muito a ganhar fortalecendo os laços com a mais poderosa ciência do mundo, a americana.
Ele é um otimista. Acredita que a ciência pode ser explicada à população em geral, que não há um fosso entre a maior complexidade de sua profissão e a percepção dela pelo público e que os meios de comunicação têm dado destaque a descobertas científicas, pelo menos nos EUA. Ele foi entrevistado pela Folha por telefone de sua casa na Califórnia. Apesar da "latinidad", preferiu falar em inglês.

Folha - Por que um cientista iria querer presidir a AAAS? A maior parte dos cientistas prefere ficar em seus laboratórios.
Francisco Ayala - Por causa do impacto que se pode ter na atividade científica, assim como na sociedade. Tenho a convicção de que os cientistas devem ter um papel importante na sociedade em vários níveis. Ciência é um dos motores da economia, uma educação científica é vital para que as pessoas se integrem nessa sociedade tecnológica. Também é importante influir na política de ciência.
Folha - Como uma instituição como a AAAS afeta essa política, que está basicamente na mão dos governos?
Ayala - Há um diálogo contínuo entre os vários componentes do governo e a sociedade –através de organizações como a AAAS–, por vários mecanismos e estudos, projetos que fazemos que influenciam o governo. Recentemente nós organizamos uma convenção da elite de política científica junto com o assessor de ciência do presidente para discutir os rumos do financiamento à ciência básica, a pedido do presidente Clinton e do vice-presidente Gore. O objetivo é modular a pesquisa básica para manter o país na liderança científica mundial e ao mesmo tempo orientá-la para os objetivos nacionais estratégicos.
Folha - E a América Latina? Por causa de sua origem espanhola tem-se dito que o senhor gostaria de ampliar a cooperação com a região, mas aqui a ciência tem um prestígio baixo, no governo e até na sociedade.
Ayala - Meu interesse pela América Latina vem de minhas raízes espanholas, mas também nos últimos 25 anos eu mantive contatos íntimos com vários grupos científicos na região. O que aconteceu na América Latina, apesar dos altos e baixos, nos últimos anos, foi que houve um aumento da dedicação dos governos à ciência, com a criação de alguns fortes grupos de pesquisa. Foram em pontos isolados, não em todas as disciplinas, não em todos os países, mas fazem ciência de alto nível. Chegou a hora de ampliar isso, aumentando a interação entre si e com os EUA. Eu acho que em muitos países a atividade científica se beneficiaria dessa associação com os EUA, para criar uma super associação para o avanço da ciência no hemisfério ocidental, eventualmente mesmo uma fundação pan-americana de ciência e outras atividades que poderiam mudar essa estima baixa que o governo e a sociedade dão à ciência.
Folha - Como geneticista, o senhor sabe que esses avanços trouxeram problemas éticos. O senhor acredita que os cientistas estão aptos a lidar com os resultados de suas descobertas?
Ayala - A biotecnologia, e a genética em particular, colocam tremendos dilemas éticos que têm de ser resolvidos. Cientistas têm o mesmo papel de todos os cidadãos, apesar de terem um papel de experts no lado científico, embora não nas questões legais e éticas. É preciso antecipar as questões. O programa do genoma humano, por exemplo, vai ser algo real em alguns poucos anos. É hora de começar a se preocupar com as implicações. Cientistas têm de dar o conhecimento informado à sociedade, para que ela decida.
Folha - Não é uma posição confortável para os cientistas? Como no caso do Projeto Manhattan, em que os cientistas estavam só desenvolvendo uma bomba atômica que outros usariam. Mas sem eles não haveria a bomba. A genética nao é um monte de pequenos projetos Manhattan prontos a explodir nas mãos da sociedade?
Ayala - Correto, e eu começo minha resposta lembrando a primeira explosão atômica, o teste em Alamogordo. O diretor do Projeto Manhattan, Robert Oppenheimer, disse então que a ciência tinha conhecido o pecado. Ele quis dizer que os cientistas tinham percebido que aquilo trouxe uma tremenda quantidade de questões morais que os cientistas teriam de confrontar. Eu não concordo com aqueles que acham que a ciência é neutra. A ciência tem implicações éticas e legais e os cientistas têm de participar dessas discussões como cidadãos. Não dá mais para pegar a situação confortável como você diz que alguns cientistas ainda tomam. É um dos motivos pelos quais eu assumi a AAAS, eu acredito que há um papel a se fazer aqui. A AAAS tem de confrontar essas questões.
Folha - A ciência está cada vez mais difícil de ser entendida pelos leigos, cada vez se especializa mais. O senhor não acha que há um fosso crescente entre a percepção da ciência pela sociedade e o que os cientistas fazem?
Ayala - Eu não acredito que o fosso esteja crescendo, nem que precise haver um fosso. Os princípios básicos da ciência podem ser explicados, são ensinados nas escolas. Os meios de comunicação são importantes nesse diálogo, para educar o cidadão. Veja a imprensa americana, há repórteres que escrevem sobre questões científIcas nas primeiras páginas do "New York Times" e do "Washington Post" e o fazem muito bem. Os próprios cientistas não são tão bons nisso, em geral. Nos EUA há mais e mais atenção à ciência na mídia.

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