São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Fator pode tratar mal de Parkinson

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há muitos anos a neurofisiologia descobriu o NGF (fator de crescimento nervoso), substância produzida pelo organismo e capaz de estimular o desenvolvimento e a reparação de neurônios (células nervosas). Essa descoberta foi de grande relevância e inspirou muitas pesquisas novas. Recentemente os cientistas revelaram a existência de vários agentes semelhantes, chamados neurotróficos, cada qual com sua composição química própria e suas características funcionais. Na revista "Science" (260, 1130), Frank Collins e colaboradores comunicaram a descoberta do mais específico e ativo desses fatores, o GDNF, sigla que corresponde a "fator de crescimento derivado de células gliais".
Células gliais são elementos que constituem a glia, tecido que exerce funções de sustentação e outras no sistema nervoso. Já se sabia que essas células secretam dopamina, neurotransmissor (substância que estabelece a comunicação química entre células) cuja deficiência, decorrente de lesões na chamada substância negra, contribui para a instalação da doença de Parkinson. Estimulado por esse fato, Collins decidiu estudar o assunto a fundo, em culturas de neurônios de ratos, de linhagem altamente produtora de dopamina.
Após seis meses de trabalho, ele conseguiu purificar a proteína do fator e, enveredando pela genética, isolar o gene humano correspondente à proteína. Inseriu esse gene em bactérias e obteve proliferação da proteína em grande escala. O GDNF manteve os neurônios vivos por muito tempo, além de manifestar a elevada especificidade pela dopamina. Não se conhece ainda o mecanismo de ação do novo fator. Outra peculiaridade observada foi a grande atividade, atuando o fator em doses mínimas.
O potencial do GDNF no tratamento do mal de Parkinson é muito elevado, se for possível aproveitá-lo adequadamente. Mas no momento ainda é cedo para falar em aplicações clínicas. Os tratamentos atuais da doença têm em mira aumentar farmacologicamente a quantidade de dopamina na região afetada, porém não logram impedir a progressiva degeneração dos neurônios. Por isso as drogas comumente em uso perdem a eficácia com o tempo. Ultimamente se tem recorrido, em casos raros, e com resultados modestos, ao implante cerebral de neurônios de fetos abortados.
São várias as dúvidas que se opõem à aplicação clínica do fator. Em primeiro lugar, as experiências até aqui realizadas têm sido feitas con neurônios de rato e há grande diferença entre esse animal e os seres humanos. Alguns pesquisadores lembram que a ação do fator não foi ainda testada em todos os tipos de neurônios que existem na região cerebral implicada na doença de Parkinson (mesencéfalo), o que poderá provocar uma grande confusão de efeitos.
Outra dificuldade lembrada é ser a molécula do GDNF incapaz, por seu tamanho, de atravessar a chamada barreira hematoencefálica, que impede a passagem de muitas substâncias da circulação geral para a cerebral.
Para contrabalançar esse empecilho, alguns sugerem o uso de moléculas transportadoras especiais, capazes de "iludir" a barreira e levar a reboque o fator.
Recente sugestão consiste em abandonar a idéia de trabalhar com moléculas grandes e desenvolver o estudo de moléculas menores, já descobertas, que apresentam semelhança com os fatores de crescimento e poderiam produzir dopamina.
Certos pesquisadores têm imaginado introduzir o fator diretamente no cérebro, por meio de sonda permanente (o que já se conseguiu em outras situações), mas esse meio de aplicação apresenta o risco de infecção cerebral. Outros pesquisadores têm proposto implantar neurônios produtores de dopamina (dopaminérgicos) na região afetada no mal de Parkinson. Nota auspiciosa é divulgada por Frank Collins: o uso do fator em animais (roedores e macacos) com sinais semelhantes ao parkinsonismo parece melhorar os sintomas da perturbação neurológica.

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