São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Voyeurismo embrionário

Ressonância permite ver crescimento do embrião

HÉLIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O desenvolvimento de um embrião já pode ser acompanhado ao vivo. Através de aparelhos de ressonância magnética, cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia conseguiram produzir umagens de alta resolução do embrião de uma rã -sem interromper o seu crescimento. A técnica já foi testada para embriões no útero de camundongos e macacos e, no futuro, pode ser usada em embriões humanos.
"Ninguém tinha antes olhado dentro de um embrião vivo e observado como se movem suas células", disse à Folha, de Pasadena, o chefe das pesquisas, Russel Jacobs, que publicou trabalho com as imagens na revista "Science" (veja as imagens ao lado).
"Podemos usar a técnica para obter informações detalhadas sobre o desenvolvimento dos vários órgãos a partir de um óvulo fertilizado. Também será possível agora perguntar o que deu errado quando ocorrer algum defeito de nascimento", afirmou o pesquisador. Estudando o desenvolvimento de um embrião desde cedo pode ser possível prever e até corrigir defeitos de formação. "Com essas imagens, poderemos fazer perguntas sobre como e onde as coisas deram errado, e se podemos ou não intervir", disse.
Não há grande mistério nas imagens obtidas através de ressonância magnética. "O que fizemos foi pegar uma célula, quando só havia 32 delas no embrião, e injetar, com uma agulha muito fina, o que se costuma chamar de contraste. É o que se vê em verde e em amarelo nas imagens", disse Jacobs. "Nesse ponto, o exame é invasivo", admitiu. Ao se dividir, a célula transmite o contraste para as suas "filhas". Detectando as células onde está o contraste é possível observar como o embrião vai adquirindo órgão e tecidos.
Segundo Jacobs, a técnica não foi testada em embriões humanos por limitações físicas de aparelhagem e porque ainda é preciso ter certeza de que o processo de marcar células não tem efeitos colaterais sobre o feto. "Estamos ainda construindo os instrumentos e tentando obter uma melhor resolução nas imagens. Basicamente, não conseguimos fazer alguém 'sentar' no nosso aparelho. Só pequenos animais, como macacos, pássaros ou camundongos. É uma limitação física", disse o pesquisador.
Segundo ele, o contraste usado - à base de Gadolínio - é comum na maioria dos exames de ressonância magnética. "Deu um grande trabalho ter certeza de que a substância não seria rejeitada pelo embrião." Antes de qualquer teste em embriões humanos, Jacobs diz que ainda são necessárias pesquisas para garantir que a substância é totalmente inofensiva.
Para chegar a uma resolução de imagem até 1 milhão de vezes maior que a dos equipamentos de ressonância magnética comuns, foi preciso gastar cerca de US$ 1 milhão só na aparelhagem.
A reprodução das células no embrião da rã foi acompanhada durante cerca de uma semana. Segundo Jacobs, métodos anteriores para observar o desenvolvimento embrionário implicavam matar o embrião para cada fase de observação. "Não se sabia ao certo a correspondência entre o que era visto no microscópio e o que realmente estava lá no embrião vivo. Agora podemos ter uma visão dinâmica", disse.
Cada imagem é gerada em três dimensões. "Podemos fazer dela o que quisermos no computador", disse Jacobs. Nas imagens do quadro ao lado, por exemplo, a coluna da esquerda mostra uma visão externa semelhante à de um microscópio. A da direita simula "cortes" perpendiculares ao papel em cada fase. As imagens foram feitas com o embrião em água quente. "É possível aumentar ou diminuir a velocidade de desenvolvimento do embrião da rã controlando a temperatura da água."
Segundo Jagobs, um dos fatores que limita as imagens é o tempo que levam para ser geradas: entre uma hora e meia e duas horas para cada uma. Para melhorar a resolução das imagens, é preciso eliminar a interferência, bastante comum. Isso é feito gerando uma imagem média de várias outras, tiradas ao longo desse tempo. "É como se estivéssemos tirando uma fotografia no escuro e tivéssemos que aumentar o tempo de exposição para conseguir enxergar. Gostaríamos, no futuro, de poder fazer uma imagem em 10 ou 15 minutos", diz o cientista.
No quadro, o embrião é seguido desde cerca de 12 horas de vida até cerca de 36 horas. Há cerca de três ou quatro horas de diferença entre cada "instantâneo". "No começo temos apenas uma bola oca. Depois vemos três camadas: a ectoderme do lado de fora, a endoderme dentro e células da mesorderme, que preenchem parte do que era oco. Todo o sistema quase vira do avesso, em um rearranjo de células e camadas chamado de gatrulação", explica Jacobs.
Para ele, as primeiras observações do embrião da rã já permitem questionar algumas hipóteses a respeito do desenvolvimento embrionário. "Há um rearranjo complexo em que camadas externas e internas engrossam ou afinam. Originalmente pensávamos que as camadas de fora e de dentro se movessem em sincronia." Olhando o embrião, Jacobs diz que as células marcadas avançam mais rápido no sentido anti-horário do que o espaço oco interno, futuro sistema digestivo. Antes se pensava que esse avanço era sincronizado.

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