São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Tradição impede a erradicação da heroína

SUTIN WANNABOVORN
DA "REUTER", EM MAYANMA

Seus pés estão acorrentados e ele está sob guarda armada, trancado em um depósito de arroz. Ai Lu, um membro da minoria étnica birmanesa Wa, era um produtor de papoula (matéria-prima do ópio) que, voluntariamente, largou a atividade para se tornar criador. Ele recebeu porcos de criação do grupo guerrilheiro Wa, que mantém sob seu domínio a parte sul do Estado bimanês de Shan.
Depois de apenas seis meses, Ai Lu vendeu seus porcos e comprou sementes de papoula. Ele se preparou para voltar à produção de ópio porque estava, segundo disse, acostumado a ela, mesmo sabendo que podia ganhar mais dinheiro com a venda de porcos. Agora ele está pagando o preço por essa decisão.
Ai Lu, 40, é um dos 60 prisioneiros cumprindo pena com trabalhos forçados nesta base guerrilheira dos Wa, no coração da parte birmanesa do Triângulo Dourado de produção de ópio da região.
"Essas pessoas receberam penas leves, apenas dois anos com trabalhos forçados, por terem quebrado a regra, mas para os soldados a pena é a execução", disse à "Reuter" Luah Kui, guarda da prisão.
Luah Kui disse que 26 soldados Wa foram executados pelo Exército Unido do Estado de Wa (EUEW) desde que iniciou um projeto para erradicar a produção de ópio de sua área, onde pelo menos 2.200 toneladas da seiva negra pegajosa são produzidas anualmente.
O coronel Theng Kwang Min, 45, comandante regional dos Wa na zona perto da fronteira tailandesa, disse que a ordem de erradicar o ópio veio do quartel-general da guerrilha Wa em Panghsang, perto da fronteira chinesa.
Os Wa perceberam que eles nunca obteriam reconhecimento ou apoio internacional enquanto as enormes quantidades de ópio e seu produto refinado, a heroína, continuassem a sair de sua zona, disseram observadores.
Os ex-combatentes antigovernistas acertaram um cessar-fogo com a junta de Yangon há mais de quatro anos. Agora eles administram sua própria zona de controle nas montanhas do Estado de Shan.
O programa de erradicação começou há dois anos, quando dois missionários cristãos chegaram e ofereceram ajuda, disse o coronel. "Iniciamos o plano com o Exército. Os soldados estão rigorosamente proibidos de cultivar ópio, e qualquer um que quebre a regra será executado", disse Theng Kwang Ming.
"Quantos aos habitantes dos vilarejos, os missionários estão educando e dando aos voluntários porcos de criação e sementes para substituir as papoulas do ópio."
Alguns Wa foram convertidos ao cristianismo por missionários durante o domínio colonial britânico, mas outros mantiveram seu animismo tradicional. Algumas comunidades Wa praticaram a caça de cabeças até a década de 60.
"Estamos preparando os Wa para o cristianismo assim como educando suas crianças", disse Chi Shiung, uma missionária de 45 anos de idade de Taiwan.
"Estou confiante de que o programa de erradicação do ópio vai funcionar a longo prazo. Minhas esperanças estão na nova geração. Não podemos fazer as pessoas velhas pararem de produzir ópio, mas a nova geração vai mudar."
Chi Shiung disse que mais de 3 milhões de bahts (US$ 120 mil) já foram gastos em gado e sementes para pessoas que concordam em parar de cultivar papoulas.
A maior parte do dinheiro veio do EUEW, e um pouco, de patrocinadores de Taiwan.
Desde o início do projeto, pelo menos 20 mil pessoas pararam de cultivar papoulas, dizem porta-vozes dos guerrilheiros. Mas eles admitem que ainda têm um longo caminho a percorrer e que, sem ajuda externa, as chances de sucesso do programa são poucas.
Chi Shiung disse que 700 mil pessoas na zona dos Wa cultivam papoulas, como suas famílias têm feito há gerações.
O EUEW disse ter convidado todas as partes interessadas no problema das drogas, incluindo órgãos dos EUA e da ONU, além de embaixadas ocidentais, a inspecionarem a área, mas até agora só os dois missionários responderam.

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