São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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pra lá de mauricinhos, PLÍNIOS; clip

SÉRGIO DÁVILA

pra lá de mauricinhos, PLÍNIOS
Com celular em punho, carro importado na garagem e emprego arranjado pela família, o plínio divide com o mauricinho o mesmo ideário, mas é mais refinado e endinheirado. Inventado no Rio com base em um personagem de quadrinhos, o novo apelido tem no comerciante Humberto Verre Filho e na promoter Juliana Monjardim sua mais pura expressão
Sempre que fica triste, Humberto Verre Filho, o Beto, pega seu helicóptero Esquilo 93 azul metálico, coisa de US$ 1,3 milhão, e sai para dar uma volta. "Nessas horas, só viajando", diz. Beto, 23, ganhou do pai a concessionária de veículos Vipa, da Volkswagen, cujo slogan é "Aqui você tem atendimento Vip, ah!". A promoter Juliana Monjardim, 19, sobrinha da cantora Maysa e prima do diretor de TV Jayme Monjardim, gosta de fazer compras na rua Oscar Freire se está deprimida -é raro ficar. Desde janeiro, os dois ensaiam um namoro "para ver onde vai dar", explica Beto.
Antes, Juliana namorava Rubens Gimenes Neto, o Rubinho, 20, filho do empresário Rubens Gimenes Filho, do grupo Almeida Prado. Rubens pai abriu um escritório de exportação e importação para Rubinho "tocar". Ele passeia com a BMW paterna, mas de seu mesmo tem um Santana 92, que mandou turbinar. Beto, além do helicóptero e da concessionária, é dono de uma BMW 93 preta, US$ 60 mil, chapa com as letras BTO, e uma lancha de corrida Cougar 42, US$ 120 mil, batizada de "El Dragon". Rubinho luta jiu-jitsu e não tem medo de nada. Beto não luta nada e teme por sua segurança. Juliana trocou Rubinho por Beto. Os três são legítimos plínios.
Plínios? São os ultramauricinhos, os mauricinhos elevados à undécima potência. Como seus primos pobres, estão entre 18 e 25 anos. Embora com a mesma ideologia conservadora, plínios e mauricinhos têm hábitos e habitats diferentes -os plínios são mais "refinados". Se os mauricinhos são novos-ricos, os plínios já nasceram endinheirados. O apelido vem dos morros cariocas. Surgiu no começo deste verão, para classificar tipos montados em carros importados e roupas de grifes estrangeiras, com celular na mão direita e relógio de ouro na esquerda. Ou seja: um superlativo de mauricinho. Como aconteceu com o neologismo de 1989, o plínio ganhou a zona sul do Rio. Ao contrário de mauricinho, nome escolhido de forma aleatória, plínio tem raiz. Vem de Plínio Raposo, personagem mais rico da turma da Luluzinha, história em quadrinhos criada em 1935 pela americana Marge Buell, publicada no Brasil desde os anos 50. A gíria pegou a ponte aérea e chega a São Paulo.
Juliana e Beto, o casal plínio, gosta de ir a bares, restaurantes, danceterias - principalmente ao Banana Banana, na avenida Nove de Julho, onde Juliana trabalha como promoter. Cinema, teatro e livro estão fora. Já o ex-namorado Rubinho prefere lutar jiu-jitsu. A arte marcial já lhe valeu uma briga frente a uma danceteria, no ano passado, "Dois japoneses começaram a me encarar muito, saí de meu carro e bati neles", lembra-se. Assim? "Assim". Rubinho tem um hábito que a maioria dos plínios cultiva: basta entrar no carro, transfere seu Rolex de ouro do pulso para o porta-luvas. "A cidade é insegura, melhor prevenir", ensina.
Como ele, Renato Malzoni, 19, sobrinho dos proprietários do Grupo Dillard's, também luta, Boxe. Na luta do dia-a-dia, Renato revela que "deve começar" a trabalhar em breve numa corretora de valores. Depois, numa construtora. Como seus amigos, vai votar em Maluf para presidente "porque ele faz um monte de obras". Para conquistar este boxeur já com cinco anos de treino, só uma bonitinha. Plínia, sim, pois, ao contrário do mauricinho e sua patricinha, a parceira do plínio não se chama glória, por exemplo, "Não vou mentir. Ela tem que ser linda e gostar das mesmas coisas", diz Renato. Ele espera seu telefone celular, já encomendado, o que o coloca em desvantagem em relação a Rui Marco Antonio Filho.
Rui, 22, que administra o hospital do pai, o São Luiz, se reúne com a família -os pais, dois irmãos- uma vez por semana. Juntos, eles fazem ginástica na academia particular construída em casa. O jovem paulistano gosta de treinar full-contact, uma espécie de chutebox. Coleciona todos os filmes de Sylvester Stallone e Jean-Claude Van Damme. "Adoro violência", assume. Nas próximas eleições, já decidiu: vota em qualquer candidato que não seja petista. "Sou anti-PT total, acho o partido muito radical", diz.
Faz coro com ele Alexandre Assad, 19, que diz trabalhar "entre aspas" na empreiteira do pai, a Gefasa. Ele gosta do filme "Robin Hood", mas não concorda com os princípios do herói de roubar dos ricos e dar aos pobres. Também é "Maluf e não abre". Apesar da bem-fornida biblioteca na casa de seus pais, confessa não gostar de livros. "Não adquiri o hábito, odeio mesmo", revela. "Nem olho para a biblioteca."
Todos os plínios costumam almoçar no Esplanada Grill, refeições de US$ 40, em média. Os motivos vão do "bom atendimento" à certeza de achar ali "pessoas como nós". E se encontram à noite no bar Cabral, embora não se conheçam. Não é necessário. Os plínios têm no Cabral, aberto no final de 1992 numa travessa escondida da avenida Cidade Jardim, sua meca. Luciano Huck, 22 um dos proprietários do bar, é o profeta da turma. Lá, os plínios fazem amigos, influenciam pessoas, revêem colegas, contam as novidades -as últimas viagens para os Estados Unidos, quem comprou carro novo, quem "vai ter" que começar a trabalhar com o pai, os que ainda não conseguiram telefone celular. Pedem cerveja, tequila e batidas, num gasto médio de US$ 30 por noite, e falam mal dos mauricinhos que, como diz Rubinho Gimenes, são "cheios de querer ser". Eles não. Eles são.
O jovem corretor de seguros Kiko Villela, 22, é. Cursando economia na Faap, Kiko espera ansioso o seu telefone celular, que "está para sair". "É imprescindível hoje em dia", regulamenta. O brinquedinho eletrônico tem uma função interessante no mundo dos plínios: substitui o antigo "torpedo", bilhete desferido entre jovens em bares. Em vez de mandar um papel pelo garçom com cantadas escritas, o plínio liga para a plínia de sua predileção e pronto -está feito o contato imediato.
Para Anna Elisa de Villemor Guntert, professora de Psicologia Clínica na PUC, os ultramauricinhos sofrem de "imaturidade". Segundo ela, algumas famílias com muito dinheiro dão regalias e facilidades aos filhos que, em vez de ajudá-los, os prejudica. Anna Elisa lida com muitos adolescentes por oferecer orientação vocacional, análise e terapia a jovens. "Apareceu em meu consultório um rapaz que tinha perdido o desejo", recorda-se. O plínio amargurado reclamava que "não podia nem desejar uma bola, porque a ganhava em segundos". Outra mãe de plínio fez um desabafo: "Se meu filho não quiser trabalhar, tudo bem, eu tenho dinheiro para sustentá-lo a vida toda. Só quero que ele seja feliz."
Feliz, Robson Rodrigues, 23, proprietário junto com a família de uma empresa de ônibus em São Paulo, acaba de levar seu telefone celular para passear no bar Cabral. É sábado à noite e Robson é um plínio emblemático. Conversa com todos, passa entre as mesas, requisita drinques. Na saída, pede que o manobrista Natanael Pedro de Melo, 29, pernambucano, pegue seu Omega 94, um carro de CR$ 19 milhões. "Gosto de vir aqui porque tem manobrista, coisa fundamental num bar."
O salário-mínimo Natanael chega com o Omega reluzente e pára ao lado do cliente. Robson lhe estende uma nota de CR$ 5.000. "Ganho pouco, mas pelo menos dirijo carros importados", diz Natanael, há um ano na função. "Cada dia aparece um modelo diferente, que eu nunca entrei na vida."
Robson observa tudo e chama o fotógrafo da Revista da Folha de lado. Oferece um grosso bolo de notas de CR$ 5.000 como "agradecimento" por ser fotografado para a reportagem. O fotógrafo, naturalmente, recusa o "jabá" (gorjeta ou presente oferecido a jornalista). Natanael não entende nada. Para ele, jabá é carne-seca e plínio é nome próprio.

clip
PLÍNIA
Nome completo: Juliana Monjardim
Data e local de nascimento: 29. jan. 1975, São Paulo
Signo, ascendente: Aquário, Gêmeos
Formação: Colegial completo no Objetivo
Pais: Alcebiades Monjardim, industrial morto em 1992, e Dora Colaferri Monjardim, decoradora, "sem idade"
PLÍNIO
Nome completo: Humberto Verre Filho
Data e local de nascimento: 6. jan. 1973, São Paulo
Signo, Ascendente: Capricórnio, "???"
Formação: "Faço administração de empresas na FMU"
Pais: Humberto Verre, 57, industrial, e Heloísa Verrre, 47, dona-de-casa
SALDO MÉDIO
Objetivo de consumo do desejo: "Ter um carro meu, em meu nome"
Rica ou famosa? "Pode ser os dois?"
Rica ou poderosa? "Poderosa é rica"
Há quanto tempo não anda de ônibus? "Faz tempo"
Dá esmola? "Quando acho que precisa"
Dinheiro é... "Bom ter"
Miséria é... "Uma merda"
O que é elegante? "A classe, a postura"
O que é de mau gosto? "Uma cantada grossa, daquelas de pedreiro"
MERCADO EXTERNO
Sinais físicos: "duas tatuagens"
Que produtos de beleza usa? "St. Yves"
Coleciona algo? "Perfumes. Tenho milhares, mas só uso um"
Marca de perfume: "Teen, da Daslu"
Palavra preferida:"Maravilhoso"
Ídolo: "Renato Aragão"
Um orgulho: "Ser eu mesma"
PROPOSTA INDECENTE
Símbolo sexual: "Van Damme, que é baixinho, mas bonitinho"
Como foi o primeiro beijo? "Engraçado, eu tinha 11, 12 anos e muita expectativa"
E a primeira transa? "Foi legal, eu estava com 16 e foi um cara que já namorava há um ano"
Tem alguma tara? "Sorvete de creme e milk-shake de chocolate. Tomo todos os dias"
O que te seduz? "O olhar"
O que te broxa? "Babaquices"
Tem alguma fantasia irrealizada? "Não, porque tudo o que eu quero eu faço"
MOEDA CORRENTE
Coleciona algo? "Amigos, tenho muitos"
Marca de relógio: "Precisa colocar mesmo? Não vou ser assaltado, né? Rolex"
Rico ou famoso? "Rico"
Rico ou poderoso? "Uma coisa traz a outra"
Inflação ou recessão? "Inflação, já estou acostumado"
Carro dos sonhos: "BMW, acho, porque é a que todo o mundo tem"
Miséria é.. "Coloca aí uma coisa que seja interessante. Não, coloca que é muito triste"
PECADO CAPITAL
Beleza ou inteligência? "As duas coisas são perfeitas"
Roupa para dormir: "Samba-canção"
Símbolo sexual: "Sharon Stone"
Como foi o primeiro beijo? "Não sei, faz tempo, Não foi especial"
E a primeira transa? "Foi como todo moleque, na zona. Eu tinha 15 anos"
Mulher dá trabalho? "Muito. Tá louco! Mulher quer saber tudo que você faz, deixa de fazer. Mas é muito bom"
O que te seduz? "O rosto, o olhar"
O que te broxa? "Dentes feios. Tem que ter um dente perfeito"
TUDO BEM
O que o incomoda no seu corpo? "Nada"
Do que mais gosta no seu corpo? "Está fácil. Tudo. Para mim está bom"
Quem é cafona? "Tem tanta gente. Só uma? Não sei"
O que acha de mau gosto? "Gosto tem dois, o bom e o ruim"
Palavra preferida: "Tudo bem"

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