São Paulo, quarta-feira, 2 de março de 1994
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A ameaça dos aliados

JANIO DE FREITAS

O prazo idealizado pela equipe econômica para a adoção do real não é, como tem dito o ministro Fernando Henrique, de "uns dois meses" ou "até que a sociedade se habitue com a URV", mas o final deste mês. Isto lhe permitirá dizer, caso se decida pela desincompatibilização eleitoral no começo de abril, que sai do ministério sem comprometer o plano, porque o deixou todo implantado. A premissa desta tática, que condiciona o cronograma do plano econômico ao cronograma do projeto eleitoral, é a de que neutralizaria, desde logo, as críticas a Fernando Henrique pelo abandono precipitado do plano para candidatar-se à Presidência.
A equipe avalia com otimismo duas condições essenciais para que a nova moeda possa ser adotada em prazo curto. O primeiro, político, é a tramitação da Medida Provisória da URV no Congresso. A suposição é de que haverá alguma falação em torno do salário mínimo e da conversão dos salários para a URV, mas sem criar dificuldade para que a MP seja aprovada como foram todos os planos econômicos anteriores. A meta, por isso, não está em montar um dispositivo que assegure a aprovação, mas em obter que a aprovação aconteça tão cedo quanto possível. A outra condição é o insucesso, no qual a equipe aposta, das reações sindicais à conversão dos salários.
Não há elementos, ainda, que confirmem ou derrubem a avaliação otimista da equipe, o que é o mesmo que dizer avaliação de Fernando Henrique. Porque, na realidade, aquelas duas condições dependem de uma terceira, que é o desempenho dos preços no decorrer de março. Tudo indica que os aumentos brutais nos últimos dias de fevereiro, em grande número de produtos, vão puxar aumentos semelhantes nos que não subiram na mesma proporção. Se a simples adoção da URV para os salários já fazia prever inflação alta em março, aquela lengalenga dos aumentos "defensivos", o exagero das subidas por certo fará a inflação neste mês superar as previsões.
Neste caso, se o governo leva a URV a acompanhar os preços, como está na obrigação de fazer, a URV ficará contaminada pela inflação em cruzeiros reais e, aí, já era: haverá inflação em URV, tanta quanto antes dela. Se a mantém abaixo da alta de preços, a URV estará desmoralizada como índice e, ao final do mês, os salários nela expressos terão sofrido perda que reestimulará as reações. Note-se que este teste da URV será consumado nos dias mesmos em que Fernando Henrique terá que formalizar, se for o caso, sua desincompatibilização.
O que condiciona a candidatura de Fernando Henrique é a URV. O que condiciona o destino da URV são os preços. Logo, o maior perigo para a candidatura de Fernando Henrique são os preços. E como os preços são puxados pelo grande empresariado, o maior perigo para Fernando Henrique não está nos seus adversários, mas nos seus aliados.

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