São Paulo, quarta-feira, 2 de março de 1994 |
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Dois filmes decifram fase mítica de Artaud
FERNANDA SCALZO
Com sua boina sempre enterrada na cabeça, Artaud saiu de sua internação cheio de manias. Entre elas a de tratar todos os seus amigos de senhor e senhora e de fazer questão de também ser tratado assim. Segundo os depoimentos de seus amigos no documentário, o tratamento informal soava a Artaud como um desrespeito na medida em que era o mesmo que ele recebia, junto com eletrochoques, nos hospícios por que passou. "O senhor não imagina o quanto eu sofro, senhor Prevel. Eu só posso me exprimir pelo sarcasmo. De outra forma, só encontro o caos", disse Artaud ao seu discípulo, o jovem poeta Jacques Prevel. Para partilhar da intimidade, do gênio e da loucura de seu mestre, Prevel, que trocara com ele algumas cartas quando Artaud estava internado em Rodez, torna-se antes de mais nada seu fornecedor de drogas em Paris. "En Compagnie d'Antonin Artaud", a ficção de Gérard Mordillat é baseada no diário homônimo de Jacques Prével e retrata essa adoração. Artaud vai retribuir a amizade de Prevel com comentários sobre seus poemas, às vezes duros e às vezes encorajadores. O dramaturgo, que tinha um certo horror às mulheres e ao sexo de um modo geral, condenava Prevel por ter uma amante (Jany de Ruy) e é por causa dela que os dois terão suas poucas discussões. "Sua mulher sofre demais, senhor Prevel. Esta jovem é nefasta", dizia Artaud. Jacques Prevel (1915-1951) morre três anos depois de Artaud. Mas quase todos seus outros amigos, entre eles a viúva de Prevel e sua amante, aparecem no documentário de Gérard Mordillat e Jérôme Prieur. Marthe Robert relembra o horror que lhe causou a visita ao hospício de Rodez, onde Artaud ficou internado por três anos. Paule Thevenin testemunha o esforço do amigo Arthur Adamov, que conseguiu obras de Picasso, Matisse, Braque e pôs a leilão para arrecadar dinheiro e poder tirar Artaud de Rodez. Domnine Milliex, filha de Thevenin, relembra a casa de repouso em Ivry (em que Artaud morava em Paris), onde ia visitá-lo com a mãe. Muitos dos depoimentos referem-se a cenas que aparecem no outro filme. Todos são muito pessoais, frutos de diversas memórias e, por isso mesmo, às vezes contraditórios. Fica patente o esforço de todos os amigos de Artaud em fazerem, em vão, reviver o poeta. "Eu já estou morto há muito tempo. Apenas sobrevivo", dizia lúcido Artaud. Texto Anterior: Daniel Filho deve dirigir Nelson Rodrigues Próximo Texto: Livros e eventos lembram poeta Índice |
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