São Paulo, quarta-feira, 2 de março de 1994
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A greve de Medeiros

Nem bem foi anunciada a medida provisória que cria a URV (Unidade Real de Valor), dando prosseguimento ao plano econômico do governo, e já há uma greve de protesto convocada para hoje pela central Força Sindical. As circunstâncias de convocação dessa paralisação sugerem a existência de uma forte motivação de ordem política.
É evidente que a contestação do valor dos salários é um direito legítimo dos trabalhadores. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, vem ressaltando que a conversão dos vencimentos em URV prevista pela medida provisória nº 434 não passa de um patamar mínimo, que poderá ser majorado livremente por meio de negociações realizadas entre empregados e empregadores.
A conversão pela média, é bom ressaltar, tem basicamente o efeito de preservar o poder aquisitivo do salário. Em que pese as incontáveis formas de calcular os impactos da conversão –suscetíveis de manipulações as mais diversas–, as avaliações mais confiáveis indicam que não haverá nem ganhos nem perdas mais significativas. Essa disputa, lembre-se, refere-se só à transição, já que parece evidente o benefício para os salários advindo da correção mensal pela URV, ou seja, pela inflação integral.
É curioso notar também que as categorias que prometem a greve para hoje (metalúrgicos de São Paulo, Osasco e Guarulhos) pertencem a um grupo à parte em meio aos assalariados do país, pois já dispunham da correção mensal pela inflação integral do mês anterior.
Chama ainda a atenção que a greve –instrumento perfeitamente legítimo como último recurso no caso de impasse em negociações trabalhistas– está sendo usada desde logo, como ponto de partida. Seu objetivo parece portanto ser o de pressionar não o empresariado, mas o Congresso –além de, talvez, contribuir para as eventuais aspirações políticas do líder da Força Sindical, Luiz Antônio de Medeiros.
De todo modo, a paralisação prevista para hoje pode acabar tendo o efeito de incutir no debate sobre a URV um tom fortemente emocional. Seria um desdobramento pouco salutar, à medida que contrastaria de modo frontal com a racionalidade e o equilíbrio exigidos para a apreciação de uma matéria de tal relevância para o país.

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