São Paulo, quarta-feira, 2 de março de 1994
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O PT e a revisão constitucional

JOSÉ GENOINO

"Manifestar o seu 'revolucionarismo' apenas com injúrias ao oportunismo parlamentar, apenas negando a participação nos parlamentos, é muito fácil, mas porque é demasiado fácil não é a solução de um problema difícil, dificílimo."
(Lenin)

Existe hoje uma polêmica pública sobre a crise entre a maioria da direção do PT e a bancada federal. Sempre defendi a idéia de que os debates políticos internos de qualquer partido devem ser também públicos. Primeiro, porque um partido é um organismo da sociedade e, segundo, porque aquilo que não pode se tornar público em política é porque não é ético e verdadeiro. Da mesma forma, deve ser sagrado o direito de opinião de qualquer filiado.
Na minha militância partidária, embora muitas vezes discordasse das decisões, nunca cometi um ato de indisciplina e defendo a fidelidade partidária e a atuação de bancada dos parlamentares do partido. Em nenhum momento, porém, fidelidade e disciplina significam que as posições das maiorias dirigentes são sempre corretas e que não podem ser debatidas e criticadas.
É preciso ressaltar que na história das bancadas parlamentares do PT, os deputados sempre cumpriram as orientações partidárias, com autonomia, sem que houvesse qualquer necessidade de intervenções centralizadoras das instâncias dirigentes. As bancadas petistas souberam defender bem as posições do partido no Congresso e se constituíram em motivo de prestígio e respeitabilidade do PT junto à opinião pública e no meio político.
Isto deveu-se à capacidade, à seriedade e à responsabilidade com que os deputados e o senador do PT encararam e encaram a atividade parlamentar e a representação do eleitorado no Poder Legislativo. As atuações na Constituinte, nas CPIs e no impeachment são exemplos indesmentíveis dessa afirmação.
Num partido democrático, adotado o direito das direções estabelecerem as orientações políticas gerais, cabe às várias esferas e instâncias partidárias determinarem, com autonomia, as táticas mais adequadas de aplicação das diretrizes. Isso refere-se tanto à ação no Legislativo, como no Executivo e nos movimentos sociais.
A intervenção direta das direções na aplicação da tática representa um retorno à tradição centralista e autoritária dos partidos comunistas que caducaram. O PT nasceu para afirmar uma nova concepção de política de esquerda, democrática e renovada.
Foi com esta prática que o PT –quando dirigido pela corrente interna Articulação, da qual não faço parte– teve o mérito de não deixar imperar o sectarismo ideológico de grupos fechados na sua relação com a sociedade e instituições democráticas. As direções partidárias souberam mediar as diretrizes partidárias colocando acima de tudo os interesses sociais e não as fantasias ideológicas de grupos internos, dos quais diga-se de passagem, já fui um dos integrantes. As direções percebiam que os representantes eleitos deviam prestar contas aos filiados, simpatizantes e eleitores e não meramente às concepções desse ou daquele dirigente.
A inexistência, até hoje, de conflitos mais sérios que ameaçassem a unidade do PT deveu-se também a esta postura democrática das direções que souberam compatibilizar a pluralidade interna com o respeito à sociedade e aos movimentos sociais. Esta história inovadora e democrática vê-se hoje ameaçada pela crise aberta da maioria da direção contra a bancada.
Já tive a oportunidade de afirmar que foi legítima a posição do PT de lutar pelo adiamento da revisão. Mas à medida que a revisão se impôs era necessário redimensionar a tática. Afinal, a revisão é um fato da vida parlamentar e o PT optou pela participação democrática no Parlamento. Em nome do que não participar? Em nome da ilegitimidade do Congresso, de princípios ideológicos?
Abster-se em nome de princípios abstratos conduz a uma postura estéril do ponto de vista político. Embora eu não seja leninista, é oportuno lembrar que Lênin era enfático em chamar a atenção para o fato de que intervir na política prática somente com princípios gerais constitui uma flagrante falsidade teórica.
Na revisão estão em jogo reformas democráticas, direitos sociais e questões econômicas que interferem na vida dos trabalhadores e dos cidadãos. Parece-me que não é uma atitude responsável não lutar para preservar as conquistas e para produzir novos avanços constitucionais. Os trabalhadores e a sociedade se movem em torno de interesses e não em torno do vazio. O eleitor vota num deputado esperando que este o represente e defenda os seus interesses. Não participar da revisão só facilita o trabalho da direita, que quer impor mudanças conservadoras.
A bancada do PT deve entrar na luta contra a revisão por dentro do processo, obstruindo quando necessário. Pode participar positivamente, votando no que interessa e negociando quando possível, desde que aceitas as seguintes condições pelos demais partidos: mudança do regimento abolindo a votação em bloco e definição de uma pauta de reformas políticas, excluindo os direitos sociais e a ordem econômica.
É forçoso reconhecer que a proibição imposta pela maioria da direção equivale a uma cassação parcial do mandato parlamentar. E o mais grave é que a decisão está produzindo um desgaste na imagem do PT junto à opinião pública, à medida que se difunde a idéia de que se trata de um partido sectário e intransigente. A própria candidatura Lula está sendo arranhada, exatamente no momento em que se trava uma disputa decisiva para mudar os destinos da sociedade, dos trabalhadores e dos oprimidos em nosso país.

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