São Paulo, quinta-feira, 3 de março de 1994
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Os sindicatos na berlinda

LUÍS NASSIF

Para levantar perdas salariais com a URV, o Dieese recorreu ao "bê-a-bá" da manipulação estatística.
Tinha-se uma lei salarial que corrigia salários parcialmente a cada mês e integralmente a cada quadrimestre. Trocou-se por outra lei que converte os salários pela média e os corrige mensalmente. A comparação pertinente é entre o que o salário receberia, com a antiga lei, e o que passará a receber, com a nova.
O máximo de liberdade poética que se poderia cometer seria comparar o novo salário com a média anterior ao do último quadrimestre –quando ocorreu uma aceleração da inflação em função das expectativas com o plano.
O que o Dieese fez foi pegar uma série histórica de reajustes salariais (não de crescimento de massa salarial) e escolher o ponto de comparação que mais lhe convinha. Ora fala em março de 1990, ora no ponto mais alto de 1993. Qualquer que seja a escolha, trata-se de um suicídio de reputação.
Se, nas matérias sobre perdas salariais, houvesse a curiosidade de acrescentar um detalhe relevante –perdas em relação a quê?– essa discussão acabava em dois tempos.
Frequentemente, utilizaram-se argumentos mais bisonhos ainda, como a comparação com o salário no primeiro dia do mês –que jamais foi pago pela empresa e jamais foi recebido pelo trabalhador.
Quando se questiona o critério, o argumento é definitivo: o trabalhador não recebeu o salário no primeiro dia do mês, mas deveria ter recebido. Ou então: tudo bem, mas você considera justo o que o trabalhador recebeu no último quadrimestre?
As distorções existiam antes, permanecem depois, e sua correção merece ser reivindicada tanto em cruzeiros reais quanto em URVs. Mas não tem nada a ver com a conversão. Se as perdas não foram corrigidas antes, aliás, é sinal de incompetência dessas lideranças.
Burocratas sindicais
Vicentinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD, foi a alma da Câmara Setorial da Indústria Automobilística. Negociou um acordo que salvou o setor da extinção e garantiu reajustes mensais para sua categoria. Os metalúrgicos do ABCD não têm do que se queixar.
O mesmo não ocorre com outras lideranças. Ao longo dos anos, a legislação trabalhista criou um enorme cartório, onde essas lideranças se acomodaram. A unicidade sindical impediu a competição, o imposto obrigatório garantiu dinheiro à farta e sem esforço.
Assim como as corporações públicas e políticas, criaram-se castas vivendo às custas da categoria e devolvendo pouquíssimo benefício em troca. Qualquer fracasso, bastava botar a culpa na Justiça do Trabalho ou no governo.
Agora, está-se à beira de terminar com esse jogo folgado. O ministro do Trabalho, Walter Barelli, tem em mãos o esboço de uma nova legislação trabalhista, consagrando o princípio da negociação coletiva.
Acaba a intermediação do governo e da Justiça do Trabalho. Acaba o sindicato único e a contribuição obrigatória. E acaba o álibi. As lideranças sindicais terão que mostrar serviço, acabar com as mordomias, prestar contas de seus atos e conquistar aumentos reais sustentados de salários –e não mera fumaça.
É isso o que as greves pretendem evitar. A URV é apenas um álibi.
Demagogia barata
A demagogia em torno das presumíveis perdas salariais com a URV atingiu culminâncias delirantes com o presidente da Força Sindical, Luiz Antônio de Medeiros, que, com suas previsões de miséria, saques e caos, fez o sociólogo Hélio Jaguaribe parecer uma versão "light" da velhinha de Taubaté.
Antes, Medeiros "acusava" o plano de ter convertido salários para a URV e deixado os preços em cruzeiros reais. Depois que lhe contaram que a conversão era uma defesa dos salários, mudou o discurso. "Admito que a partir de março os salários estarão a salvo da inflação futura", diz ele. "Mas os trabalhadores perderam a inflação de fevereiro, que não foi incorporada aos salários".
Posto que a tabela para a conversão, divulgada com a medida provisória, estipula claramente valores diários de correção para URV de fevereiro –começando em CR$ 466,44, em 1º de fevereiro, terminando em CR$ 647,50 em 1º de março, portanto com 39% de variação– poderia esse gênio da matemática explicar qual a inflação, afinal, que foi engolida?

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