São Paulo, quinta-feira, 3 de março de 1994
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"Voltada para o Brasil"

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – A frase de Lula chocaria se publicada na íntegra no título desta coluna. Mas choca ainda mais quando sabemos que foi proferida por um possível presidente da República –e, por isso, a frase vira história. Num comício do interior do Paraná, Lula acaba de dizer: "A elite brasileira governou o país com os olhos em Paris e com a bunda voltada para o interior do Brasil".
Na prática, Lula está se convertendo em mais um dos cabos eleitorais da candidatura Fernando Henrique Cardoso. Com frases desse nível, ele apenas reforça suspeitas e temores sobre seu preparo para ser presidente.
Incrível que, apesar de estar tanto tempo na vida pública e ser tão inteligente, ele ainda não tome certas precauções. Duvido que qualquer simpatizante sério do PT concorde sinceramente com uma linguagem tão inadequada.
O fato é que, por essas e outras, cresce cada vez mais a pressão para que Fernando Henrique Cardoso saia candidato. O presidente do PSDB, Tasso Jereissati, afirmou ontem: "Com o anúncio do plano, Fernando Henrique se agigantou. Diria que é quase impossível ele não ser mais candidato".
Em contato ontem com jornalistas, Fernando Henrique insinuou que é candidato, mas teme ser responsabilizado caso o plano desabe. Ou seja, procura-se um substituto.
Entre lideranças empresariais, prospera o pânico à exata medida que não se encontra um candidato para derrotar Lula. Importantes empresários fazem chegar ao indeciso ministro um raciocínio pragmático: não gostariam de vê-lo deixar o governo no meio do plano. Mas ficariam ainda mais tristes se Lula virasse presidente.
O desastre do plano demoraria um ano, segundo o pragmático raciocínio de lideranças empresariais –a vitória de Lula se prolongaria por quatro ou cinco anos.
Para não ser injusto, ressalvo: alguns dos adversários de Lula conhecem toda a litúrgia do cargo e dificilmente usariam frases tão descabidas. Mas fazem coisas muito mais imorais –não com a boca, mas com a caneta. Cito apenas um exemplo de imoralidade gritante: mudar justamente agora, no meio jogo, os prazos de desincompatibilização apenas para deixar a máquina administrativa mais tempo para ser usada pelos governantes-candidatos.

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