São Paulo, sexta-feira, 4 de março de 1994
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O plano e o salário real

JOÃO MARCUS MARINHO NUNES

Se de fato acontecer uma mudança de moeda em junho ou seja, se até lá o indexador URV substituir todos os indexadores existentes inclusive o próprio cruzeiro real, isto significará que o plano teve um sucesso inicial ou seja, a inflação esperada em URV é desprezível em relação à inflação em cruzeiros reais.
Uma dúvida diz respeito ao critério pelo qual o salário será convertido na nova moeda. Para o indivíduo o que deveria importar é o seu poder de compra (quantiades de bananas que podem ser adquiridas). Em uma situação de inflação zero (ou quase zero), o salário nominal e o salário real se confundem porque existe uma relação estreita entre a quantidade de unidades monetárias contratadas num dado instante e o seu valor real (pode ser compra ou quantidade de bananas) no momento do efetivo recebimento dessas unidades.
No nosso caso, isto está longe de ser verdade. Se no primeiro dia do mês a pessoa recebe a informação de que seu salário (a ser pago parte no dia 15 e parte no dia 30 daquele mês) é de 100, quando ela receber aqueles valores, seu poder de compra terá se reduzido na proporção que os preços aumentaram durante aquele período.
Para exemplificar, vamos supor um valor contratado no primeiro dia do mês de 100 (que é o resultado da correção do salário nominal prévio pela inflação verificada no mês anterior). No dia 15, ele receberá 40 unidades e no dia 30, 60 unidades (estamos supondo que não existem descontos sobre o valor contratado). Se entre o dia 1º e 30 do mês a inflação for de 40%, no dia 15 os preços terão subido aproximadamente 18,3%. Isto significa que o valor nominal efetivo recebido dia 15 não é de 40 unidades, mas sim de 33,8 unidades monetárias (40/1.183). No dia 30, a inflação terá atingido 40% e o recebimento de 60 unidades no dia 30 terá um valor efetivo de 42,9 unidades (60/1.40).
A pergunta óbvia é: o que é valor efetivo? Essa é uma das consequências da inflação. Como perde-se a noção de valor (o metro é variável), proliferam-se as definições (da mesma forma que proliferam os indexadores). No caso, valor (salário ou unidades) efetivo éo valor contratado (inicial) deflacionado pela variação de preços (inflação) do período. Para chegarmos ao salário real (poder de compra), temos que dividir o salário efetivo pelo índice de preços naquele momento.
O gráfico ilustra a argumentação acima. A curva mais alta é o nível de preços. A imediatamente abaixo é o salário nominal contratado. Ela é mais baixa para refletir a situação usual de que o salário contratado no início do mês está baseado na inflação anterior. A seguinte se refere ao salário efetivo (o salário contratado deflacionado pela inflação do período). A mais baixa e relativamente constante se refere ao salário real. Esta constância se dá devido à aceleração simulada da inlação ser baixa (vai de 40% a 45% em 5 meses), à frequência dos reajustes (mensal) e à frequência dos pagamentos (quinzenal).
A resposta à dúvida colocada inicialmente de qual o critério que deve ser adotado para converter o salário no momento da introdução da nova moeda parece (!) clara ou seja, deve-se manter o nível real de salário médio obtido nos meses anteriores. Por razões de lógica, equidade e eficiência, os preços e custos em geral também devem ser convertidos pelo mesmo critério.
Este nível é a exata medida do nosso nível de conforto, renda real ou poder de compra, e não é razoável pensar que qualquer plano consiga a mágica de nos fazer sentir mais cofortáveis ou ricos do dia para a noite (ou de ser o veículo para a compensação de perdas incorridas pela inflação passada). A médio prazo, se for seguida a redução permanente da inflação e a estabilização, o cálculo econômico será muito facilitado, permitindo ganhos reais diretamente em função da eliminação dos custos (elevados, mas não muito óbvios) ocasionados pela inflação.

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