São Paulo, sexta-feira, 4 de março de 1994
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URV, a Waterloo econômica

RICARDO YASBEK

Mais duas peças do tabuleiro econômico do governo devem passar nos próximos dias pelo crivo dos congressistas, constituindo batalha decisiva para a implantação global do plano FHC. À primeira vista, as votações da URV e do Orçamento da União serão um mar de rosas. A URV poderá tomar contornos de uma verdadeira batalha de Waterloo, levando-se em conta o antagonismo já demonstrado por alguns partidos políticos e pelas centrais sindicais.
O governo venceu a primeira batalha, obtendo a aprovação do Fundo Social de Emergência, mas tem plena consciência de que, para agilizar seu plano deflacionário precisa, essencialmente, da Unidade Real de Valor, convertendo salários antes dos preços e definindo, a seguir, "por passagem", regras e parâmetros do mercado. Por incoerente que pareça, sua missão principal será desindexar a economia e baixar a inflação.
No todo, nos causa preocupação o possível "andar da carruagem". Em termos de salários –e política salarial justa é indispensável para a dinâmica da economia–, os reajustes são pela média. Embora em termos reais não haja perda substancial, as centrais sindicais garantem que não vão aceitar a repetição do velho filme desse tipo de conversão, antecipando assim um novo complicador político, com reflexos no universo econômico.
Outro ponto de análise é que até o governo conseguir, realmente, tranformar a URV em moeda haverá um vácuo e temor capazes de gerar mais inflação. Por isso, o mais provável é que a autoridade monetária aumente os juros reais num primeiro momento.
Defendemos a idéia que o governo deveria cuidar apenas do salário mínimo, deixando a discussão salarial em si para o mercado.
Para o Ministério da Fazenda, o FSE foi básico para a implantação da URV, pois criou a cunha fiscal indispensável para zerar o déficit, funcionando como fator de xeque à inflação. Mas ideal seria que o Executivo tivesse poder de fogo suficiente para, através de mecanismos, controlar o Orçamento e que a sociedade, por sua vez, tivesse garantias de que não ocorreriam abusos. E isso só seria possível com um Banco Central independente –aspecto que a revisão constitucional tem de contemplar.
Sem que consigamos alcançar a estabilização economica, ficará cada vez mais difícil superar problemas, inclusive aqueles que dizem respeito à competitividade internacional. Afinal, vizinhos como Paraguai e Argentina convivem, respectivamente, com índices inflacionários de 3% ao mês e 7% ao ano.
No que concerne ao setor "imobiliário", o sucesso do plano é aguardado com positiva expectativa. No setor de locação promoverá aumento significativo da oferta de imóveis com redução dos valores de aluguel. Trará de volta os investidores tradicionais, tanto para compra e venda quanto para locação. Estes efeitos se evidenciarão após a implantação do real, quando a inflação desabar para cerca de 4% ao ano, que é o resultado esperado pelo plano.
Essa condição é básica em um segmento produtivo caracterizado pelo longo prazo, caso típico da indústria imobiliária, onde a estabilidade das regras e da economia são indispensáveis. Em razão dos efeitos programados pelo Plano FHC, os profissionais da área já revelaram sua intenção de aderir à URV.
Expostos os fatos, só nos resta esperar que o diálogo seja peça fundamental para a etapa que ora se inicia. Que as rusgas políticas fiquem à margem, notadamente em ano de eleições gerais. E que o bom senso prevaleça uma vez mais, para o bem do país e da sociedade como um todo. Essa é a nossa torcida sincera e, notadamente, da maioria dos brasileiros.

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